Por Aurea Afonso Caetano
Para além de toda e qualquer tentativa de encontrar um equilíbrio entre os vários pontos de vista ou de partir de atingir um consenso entre diferentes modos de interpretação de fatos, nos deparamos sempre como que podemos chamar de "equação pessoal".
A princípio, o tema da "equação pessoal" foi introduzido na astronomia para dar conta de diferenças que surgiram em dados observados por diferentes pesquisadores.
No início do século XIX, um astrônomo, no observatório de Greenwich, interessou-se por estudar esses erros de mensuração e percebeu que discrepâncias sempre aconteciam e não de uma forma constante. A partir dessa percepção foram realizados vários experimentos astronômicos, cada vez mais sofisticados, para compreender o que seria a "equação pessoal" ou, como a depender do observador, havia uma alteração no resultado da mensuração.
Esta expressão foi adotada mais tarde por Jung, para tentar explicar o que é que faz com que cada um de nós tenha e expresse um olhar subjetivo, diferente do olhar do outro, mesmo que esse outro esteja a meu lado.
A equação pessoal fundamenta-se também no que chamamos de "espírito da época" ou a visão de mundo que ancora aquela indivíduo, naquela sociedade específica, naquele tempo específico.
Da mesma forma que aprendemos na física que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço no mesmo período de tempo, assim também mesmo que sutil, há uma diferença de olhar em cada um de nós apenas porque ocupamos espaços diferentes.
Pessoas semelhantes, em lugares semelhantes, mas vivendo situações diferentes (mesmo que ligeiramente diferentes), vão se expressar de forma distintas e vão avaliar o mundo a partir de olhares diversos. O olhar do observador é de crucial importância para a mensuração do objeto ou fato.
Um dos exercícios mais importantes em nosso trabalho cotidiano na prática clinica é tentar olhar o mundo a partir do olhar do outro e assim poder validar sua compreensão e a história que cria para si mesmo e para o mundo. Validação aqui não quer dizer concordância, mas sim, o reconhecimento da existência de outros olhares e portanto de outras sínteses, outras histórias, diferentes possibilidades de estar no mundo.
É apenas ao oferecer essa possibilidade ao outro que posso também convidá-lo ao exercício da experimentação de um novo olhar, de uma nova história que pode ou não fazer sentido para ele.
Em tempos tão difíceis quanto os que vivemos fazer esse exercício torna-se fundamental para que o outro possa ser visto não como o outro, o inimigo, mas como aquele que vê o mundo a partir de sua específica "equação pessoal". Tolerância e sabedoria, são necessárias, para que a partir, não da desqualificação, mas do reconhecimento do diferente, possamos entrar em discussões acerca de ideias e pensamentos sem no entanto questionar a validade da existência do outro.
"Nossa maneira de olhar as coisas é condicionada pelo que somos… Toda psicologia tem o caráter de uma confissão subjetiva, inclusive a minha…"
JUNG, C. G. "Memórias, sonhos e reflexões"