por Carminha Levy
Escudo protetor quem não deseja ter o seu? Quando carregamos junto ao nosso corpo símbolos, patuás, santos prediletos e consagradas relíquias cristãs, estamos usando a mesma energia do escudo de proteção. O ser humano em face à sua precariedade pede proteção à grande Deusa-Mãe Terra. Eles são os primeiros xamãs, aqueles que receberam o dom da consciência do Arquétipo do Divino. Parte dessa tradição é mantida e divulgada pelos povos nativos e praticada pelos neoxamãs na nossa selva de pedra.
O que não é tão conhecido é que essa prática era um dom que só as mulheres da tribo podiam exercer, pois só através das suas mãos o poder de proteção poderia ser distribuído. A preparação do escudo de proteção era antecedida por vários rituais, inicialmente de limpeza e, na continuidade, rituais propiciatórios.
Para receber o escudo, o xamã aprendiz procurava uma mestra xamã que detinha esse dom. À medida que o xamã aprendiz ia penetrando no conhecimento, ele passava a enfrentar novos perigos e necessitava de mais proteção. A maioria das pessoas se protege por instinto. Já o xamã deve fazê-lo conscientemente. A mestra xamã orientava o aprendiz a começar pela focalização da energia protetora que virá para o escudo. Inicia-se um processo de desmanchar os seus conflitos pessoais. Isso só é possível com a prática do autoconhecimento ou, numa linguagem psicológica, com o conhecimento da sua sombra pessoal. Pressupõe-se também que entre o aprendiz e a mestra xamã desenvolva-se um profundo relacionamento que irá propiciar que seus lados ocultos se revelem. Quando o autoconhecimento está adiantado, o aprendiz sai em busca de uma "Visão".
Deverá ficar sozinho numa clareira de uma mata, dentro de um círculo mágico, do qual não poderá sair a não ser para atender às necessidades fisiológicas. Só bebe água e aguarda ter a "Visão" para o escudo.
Nela virá a energia protetora e os dons que o aprendiz necessitará desenvolver. Há escudos que dão coragem, outros protegem contra o ataque dos feiticeiros, outros ainda trazem aliados nas horas de necessidade. Convém lembrar, entretanto, que um aliado não pode lutar pelo aprendiz e sim ao lado dele. Existem escudos da Verdade e, se o xamã carrega consigo esse poder, ninguém poderá lhe dizer uma mentira, pois será automaticamente desmascarado. Os escudos não são apenas para defesa. São como um registro da posição do xamã no mundo sob todos os aspectos: mental, emocional, físico e espiritual. Respondem pela santidade do seu íntimo. Eles revelam às pessoas quem é aquele xamã. Os escudos podem ser masculinos ou femininos, independente do gênero do seu dono. Alguns são metade masculinos e metade femininos – equilibrados, porém todos os escudos são individuais.
O escudo equilibrado traz conhecimentos e coisas especiais que o xamã precisa trabalhar, ele revela também a medicina pessoal de cada um. Por exemplo, se o xamã for especialista em resgate de alma, aparecerá no escudo um simbolismo dessa medicina. O escudo de poder é sagrado e só poderá ser usado para ajudar os nossos semelhantes.
O grande perigo da posse do poder é esse tornar-se o condutor da vida do xamã e este entrar numa inflação de ego que o cegará. Essa lenda das índias Cree do Canadá revela o cuidado com que o poder deve ser usado. Um grande guerreiro chamado Lago-da-Montanha procurou as mulheres fabricantes de escudos de poder e pediu-lhes um que tivesse todos os poderes. "Isso é impossível, esse escudo você já tem, você precisa aguardar que ele seja despertado, ele só vem aos poucos com a sabedoria de viver", elas disseram. "Eu sou o maior guerreiro do mundo e exijo que vocês me honrem com esse escudo", fala Lago-da-Montanha. Após relutarem muito e devido à arrogância obstinada de Lago-da-Montanha, elas concordaram em fazer um escudo com todos os poderes, mas incluindo também o maior poder, que é a integridade, que consiste em sabermos quem realmente somos, com qualidades e imperfeições. O escudo foi "despertado" numa cerimônia e ele colocou-o no braço com orgulho, numa posição belicosa de combate. Mas faltou-lhe a integridade e imediatamente ele ardeu em chamas e tudo que restou do guerreiro foram cinzas. O poder exacerbado em cada um leva-o inexoravelmente a arder em chamas e desaparecer em cinzas. Que os senhores da guerra possam algum dia aprender a essa lição.