Por Ângelo Medina
Quem já não ficou totalmente concentrado e motivado numa atividade, sentindo-se inteiramente integrado a ela, parecendo que não havia mais nada no mundo que pudesse interferir nessa integração? Quando você teve essa percepção, provavelmente você estava fluindo, estava num estado de flow-feeling. Numa tradução livre seria um estado mental de fluidez, a percepção de fluir, sentir o fluir…
Esse inusitado conceito foi a tese de doutorado do Prof. Dr. em Psicologia do Esporte Renato Miranda, que leciona Educação Física na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e assina no Vya Estelar a coluna Psicologia do Esporte há mais de uma década.
Renato vai lançar em 19 de junho, no espaço cultural Excalibur, seu terceiro livro, o segundo com textos publicados com exclusividade aqui no Vya Estelar, o primeiro, com mais de uma centena de textos, foi publicado em 2014: "Reflexões do esporte para o desempenho humano", Editora CRV. Seu bem-sucedido lançamento aconteceu no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes em Juiz de Fora.
Nesta entrevista, ele explica o que é o flow-feeling e como esse estado mental atua no esporte e no desempenho de atletas de alto nível.
Vya Estelar – O que é o flow-feeling?
Renato Miranda – É uma teoria desenvolvida pelo pesquisador em educação, filho de húngaros naturalizado americano da Universidade de Chicago, Mihalyi Csikszentmihalyi. Esse estudo começou na década de 70, mas os resultados concretos surgiram somente na década de 90. O flow-feeling reverberou em várias áreas: esporte, música, arte, educação…
Flow-feeling
É um estado mental em que as pessoas parecem fluir quando mostram esforço produtivo e motivado. Em toda as situações de esforço produtivo a atenção/concentração é livremente investida para alcançar os objetivos. A atividade que a pessoa está fazendo e a consciência passam a ser únicos. A pessoa está tão envolvida no que está fazendo, que ela não percebe ela mesma separada da ação.
Condições para o flow-feeling acontecer
– Concentração intensa
– Feedback: controle imediato sobre as ações
– Alta percepção de satisfação
– Motivação intrínseca
– Experiência sempre autotélica: a finalidade da tarefa está nela mesma. A pessoa simplesmente faz.
– A autoconsciência desaparece
Vya Estelar – O flow-feeling é um estado mental natural ou adquirido?
Renato Miranda – É um estado natural. Todos nós temos essa característica de estado mental, só que ao mesmo tempo em que é natural, existem atividades que favorecem o fluir.
Vya Estelar – Quais modalidades esportivas favorecem o flow-felling?
Renato Miranda – Os esportes de um modo geral favorecem o fluir.
O esporte atende algumas condições básicas para o fluir, por exemplo: relacionar a estrutura da atividade à habilidade psicofisica da pessoa; oferecer percepção de descobertas impulsionando a pessoa para níveis mais elevados de desempenho; tornar a pessoa cada vez mais sofisticada e complexa.
No flow á um equacionamento entre exigência da tarefa e a capacidade das pessoas, existe um equilíbrio.
Já o oposto, um surfista iniciante não teria condições de fluir numa grande onda, pois, por estar além de suas condições, teria ansiedade e nervosismo.
Vya Estelar – O quanto o flow-feeling pode favorecer um atleta?
Renato Miranda – Por ser um estado mental que depende de muitas variáveis: condicionamentos: físico, técnico, tático e psicológico; na experiência do fluir, o ser humano é sempre visto de uma forma sistêmica como um todo. Para ele fluir, ele tem de estar equilibrado em todos esses aspectos. Ter uma emoção equilibrada e um bom plano mental para executar a tarefa. Suas aptidões físicas e psicológicas têm de estar elevadas e equilibradas. Todo atleta que tem sucesso fala que se divertiu, possivelmente ele estava fluindo.
Vya Estelar – Pressão e desafios em uma competição prejudicam o flow-feeling?
Renato Miranda – Prejudica se a pessoa não estiver preparada em algum setor. Se ela estiver preparada, essa pressão vai se tornar um elemento que favorece o fluir; porque o esporte sem pressão não tem graça. As pessoas gostam de ter desafios e de se sentirem pressionadas quando estão preparadas.
Vya Estelar – A influência do flow-feeling muda no esporte individual ou coletivo?
Renato Miranda – O que depende é a característica individual da pessoa, se a pessoa tem característica para o individual ou coletivo.
O flow-feeling é individual e o que o caracteriza é a relação da pessoa com o esporte. Para uma pessoa fazer montanhismo poder ser maravilhoso e para outra pode não tem o menor sentido. Uma pessoa pode fluir no tênis e não fluir no vôlei por exemplo.
No esporte individual ela não terá o apoio e a participação de outros companheiros e a associação às exigências é exclusivamente dela. O esporte individual notadamente exige muita precisão e/ou velocidade. Veja alguns exemplos: tiro, salto em distância, corrida de 100 metros…
O tênis e um esporte individual de longa duração, mas as ações que determinam o resultado do jogo são de segundos.
Enfim, o que caracteriza o fluir é a relação da pessoa com o esporte.
Fonte: Renato Miranda é professor da Faculdade de Educação Física da UFJF; Mestre e doutor em Psicologia do Esporte (UGF); Especialista em didática e psicologia do esporte na Alemanha (Escola Superior de Esporte Alemã – Colônia) e Rússia (Instituto de Cultura Física de Moscou); Consultor de atletas em psicofisiologia (concentração, estresse. motivação e flow-feeling). É autor dos seguintes livros: "Reflexões do esporte para o desempenho humano" Editora CRV e 'Construindo um Atleta Vencedor'- Renato Miranda e Maurício Bara