por Luís César Ebraico
Para bem entender este diálogo, travado via Internet, é necessário ter lido o anterior, “O Caminho do Meio” – clique aqui e leia . Em sequência ao e-mail ali transcrito, recebi outro que igualmente *transcrevo. Passarei a chamar a missivista de Fátima.
Vejo que é fã de Freud. Quanto aos cérebros, se eu falar sobre eles com uma pessoa que desconhece totalmente o assunto ‘mente humana’, taxam-me de louca, de doida, mas o certo é que trata-se de dois cérebros trabalhando em conjunto, digamos que um é ‘meu’ e o outro um invasor que tenta se apoderar do meu. As imagens passam muito rapidamente, de tal forma que não as consigo captar bem. Antes, isso me dava muito medo, pavor mesmo. Hoje, quando esse ‘outro cérebro’ vem, o que está espaçando cada vez mais, já não sinto tanto medo. Pelo contrário, tento mantê-lo, porque sinto que é algo da infância. Só digo uma coisa, passei a viver realmente minha própria vida de dois anos para cá. Foi ai que despertei e começou outro pesadelo ainda maior. Numa outra oportunidade lhe escrevo e relato minha infância, aí com toda certeza irá compreender. Abraços mil. Fátima.”
Respondi assim:
“Fátima, o que lhe posso relatar a partir de minha experiência como **loganalista é que esse seu ‘segundo cérebro’ guarda memórias, emoções, desejos, etc. que têm tido impedido seu acesso à palavra, em virtude de uma oposição provinda do ‘cérebro principal’. Sua atual psicoterapia, como qualquer psicoterapia eficaz, deve estar aumentando a tolerância desse seu ‘primeiro cérebro’ àquelas memórias, emoções, etc, dando legitimidade ao gradual acesso desses conteúdos ao reino da palavra, razão pela qual as intrusões ‘terroristas’ do ‘segundo cérebro’ deverão, como já está ocorrendo, diminuir em freqüência e intensidade. Parabéns a você e a sua atual terapeuta. Abraço. Assinado: Luís César.”.
Como exponho no capítulo oitavo de meu livro, “A Nova Conversa” – embora ali, eu tenha usado outras denominações – há três grandes estratégias de atendimento psicoterápico: a de doutrinação, a catártica e a reconstrutora.
A primeira objetiva impedir que o paciente tenha certos pensamentos, substituindo-o por outros, de natureza oposta. Por exemplo, a um paciente com idéias suicidas tenta-se – usando uma variedade de técnicas, inclusive a hipnose – fazer que ele pare de pensar em dar cabo da própria vida, levando a pensar nas vantagens de ficar vivo. Essa estratégia, embora possa ter cabimento em situações muito especiais, tem muitos efeitos colaterais indesejáveis, essencialmente porque os pensamentos ‘expulsos’ continuam ativos no inconsciente podendo de lá, produzir uma série de sintomas, inclusive o próprio suicídio. Esta estratégia também é empregada por não-profissionais, que nos tentam convencer a não pensar desta ou daquela maneira, mas sim da maneira que eles consideram ‘correta’.
A segunda cria situações especiais durante as quais o paciente descarrega, com grande intensidade emocional, os pensamentos perturbadores. O problema, aqui, é que, quando a terapia se limita a essa estratégia, embora possa oferecer um temporário alívio, deixa o paciente na eterna dependência de novas sessões de catarse, jamais recuperando de forma estável seu equilíbrio psicológico. Também essa estratégia, que por vezes chamo de “dos Festivais”, ocorre em ambientes não-profissionais, o mais das vezes grupais, como, por exemplo, disputas esportivas de grande carga emocional, nos Carnavais ou em encontros de natureza religiosa, como sessões de umbanda e assembléias chamadas ‘carismáticas’. Há situações de emergência que, mesmo do ponto de vista profissional, o ‘descarrego’ catártico é indicado.
A terceira – essa dificilmente empregada pelo leigo – é a única que permite uma verdadeira reconstrução do psiquismo perturbado. Embora possa ser implementada mediante uma imensa variedade de técnicas, essa estratégia consiste essencialmente em permitir e incentivar o paciente a fazer uma aproximação ‘vacinal’ dos conteúdos psicológicos perturbadores, de forma a adquirir gradual imunidade a eles, passando a conscientemente administrá-los. Essa, ao que tudo indica, é a estratégia que está sendo empregada, com sucesso, no tratamento a que Fátima está sendo submetida.
*Nessa transcrição, para facilitar o entendimento, mas sem alterar o conteúdo, melhorei o estilo e eliminei alguns erros de pontuação e gramática do original
**A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.
Esta coluna se propõe a relatar experiências sobre o poder da palavra em nossas vidas. Aqui serão relatados dezenas de fragmentos de diálogo – reais ou fictícios – segundo os pontos de vista da Loganálise, mostrando onde e como esses diálogos apresentam elementos favoráveis ou desfavoráveis ao estabelecimento de uma comunicação sadia.