Por Ricardo Arida
A epilepsia é considerada uma das condições neurológicas crônicas mais comuns, caracterizada por uma permanente predisposição do cérebro em gerar crises epilépticas, e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais causadas por esta condição.
A epilepsia pode estar associada a várias outras doenças e *comorbidades psiquiátricas. Distúrbios do humor, depressão e ansiedade, são comorbidades com alta incidência em pessoas com epilepsia.
Uma das comorbidades importantes nesta condição são as alterações de funções cognitivas, incluindo aprendizado, memória e atenção, frequentemente observadas nesta população específica. Estas resultam em diminuição da qualidade de vida e estão relacionados a muitos fatores, incluindo a etiologia (causa) da epilepsia, recorrência das crises, efeitos colaterais das drogas antiepilépticas ou uma combinação desses fatores.
Vários tratamentos para melhorar os déficits cognitivos têm sido utilizados. Entretanto, estratégias não farmacológicas como o exercício físico regular são bem aceitas, pelo baixo custo e redução de efeitos colaterais ou de interação com outras medicações antiepilépticas.
Os benefícios da atividade física regular na saúde mental e nas doenças neurológicas têm sido comentado em textos anteriores neste site.. Em relação à epilepsia, vários efeitos benéficos do exercício têm sido relatados, como redução da suscetibilidade às crises, redução da depressão e consequentemente melhora da qualidade de vida.
Um estudo que investigou diretamente os efeitos do exercício sobre cognição em crianças com epilepsia, mostrou melhor desempenho em testes de atenção e função executiva (Eom et al., 2014). Resultados positivos tem sido observado em modelos animais de epilepsia. Animais com epilepsia submetidos a diferentes programas de exercício físico apresentaram redução nos déficits de aprendizado e memória em relação aos animais com epilepsia não exercitados (Gorantla et al., 2016; Arida et al., 2004; Fares et al., 2013; de Almeida et al., 2017).
Um artigo de revisão publicado por dois pesquisadores, um da Universidade de São Paulo (Ricardo Arida, UNIFESP) e outro da Universidade de Alabama (Jane Allendorfer, USA) na revista Clinical Therapeutics (2018) enfatiza a importância da atividade física na melhora da cognição em pessoas com epilepsia. Nesta revisão, os autores analisam o impacto positivo da atividade física e/ou o exercício físico regular na cognição através de 3 estratégias: pelo melhor controle das crises, pela redução das alterações das descargas cerebrais anormais e pela diminuindo dos sintomas de depressão. Abordando estas 3 estratégias de forma geral, podemos ressaltar que a frequência das crises está negativamente associada à função cognitiva em adultos e crianças com epilepsia; a presença de alterações no EEG (atividade eletrencefalográfica) durante os testes cognitivos muitas vezes revela comprometimento cognitivo transitório em adultos e crianças com epilepsia e a depressão está associada a déficits de funções cognitivas em pessoas com epilepsia, incluindo linguagem, atenção e memória.
Os autores sugerem que a atividade física regular ou atividade esportiva atenuam as condições acima citadas provocadas pela epilepsia. Apesar da necessidade de mais ensaios clínicos randomizados para estabelecer evidências clínicas a este respeito, podemos sugerir que o exercício físico é uma ferramenta importante como terapia complementar para a melhora da cognição e qualidade de vida destas pessoas.
* Comorbidade: o termo é formado pelo prefixo latino "cum", que significa contiguidade, correlação, companhia, e pela palavra morbidade, que é a capacidade de produzir doença.
Eom S et al. The impact of an exercise therapy on psychosocial health of children with benign epilepsy: a pilot study. Epilepsy Behav. 2014;37:151-6.
Gorantla VR, et al. Effects of swimming gexercise on learning and memory in the Kainate-Lesion Model of Temporal Lobe Epilepsy. J Clin Diagn Res. 2016;10:CF01–CF05.
Arida RM, et al. Physical training reverts hippo- campal electrophysiological changes in rats submitted to the pilocarpine model of epilepsy. Physiol Behav. 2004;83:165–171.
Fares RP et al. Standardized environmental enrichment supports enhanced brain plasticity in healthy rats and prevents cognitive impairment in epileptic rats. PLoS One. 2013;8: e53888. 79.
de Almeida AA et al. Resistance exercise reduces seizure occurrence, attenuates memory deficits and restores BDNF signaling in rats with chronic epilepsy. Neurochem Res. 2017;42: 1230–1239.
Allendorfer JB, Arida RM. Role of Physical Activity and Exercise in Alleviating Cognitive Impairment in People with Epilepsy. Clin Ther. 2018 Jan;40(1):26-34