Da Redação
O câncer de mama por si só causa muito sofrimento às mulheres quando recebem o diagnóstico. O drama ganha contornos próprios no caso de mulheres jovens, fase em que sonham com o futuro e começam a colocar em prática planos de vida recém-criados.
Estudo na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP buscou explorar essa realidade, entendendo que a dor causada pelo câncer de mama vai muito além da física.
“Nessa idade que eu estou a gente tem muitos sonhos ainda. Então essa doença vem e te desmorona. Você está com um monte de planos e tem que parar tudo para viver um outro problema, uma outra situação.” Este é o relato de uma das 12 mulheres, com idade entre 18 e 40 anos, que participaram do estudo. Algumas dessas mulheres estão em tratamento contra o câncer de mama no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP e outras estão sendo atendidas no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mastectomizadas (Rema), da EERP.
O estudo da enfermeira Paola Alexandria Pinto de Magalhães abordou três focos – trabalho, maternidade e imagem corporal -, mostrando serem esses os pontos mais afetados, tanto por circunstâncias físicas quanto psicossociais, a partir da incidência da doença. Paola conta que as mulheres jovens entrevistadas têm algo em comum na forma de encarar a doença. “Ser vítima do câncer de mama significa, para elas, ter uma parte da vida roubada, sonhos roubados, esperança roubada. Significa, ainda, ter uma parte do seu ser humano e seu ser como mulher, roubados.”
Os relatos das entrevistadas a respeito da maternidade, diz a pesquisadora, foram variados, se moldando de acordo com o que a palavra representa para cada uma delas. Para as que já são mães, maternidade no contexto do câncer de mama significa porto seguro. “Segundo essas mulheres, elas têm em seus filhos a força necessária para lutar contra o câncer, além de se considerarem sortudas e aliviadas por terem sido mães antes da doença.”
A pesquisa também revela que outro significado para maternidade é atribuído quando as mulheres são mães-recentes, que ainda amamentam seus filhos, ou que ainda não tiveram filhos. “Para essas mulheres prevalece o medo de não poder amamentar o bebê e, ainda, de não conseguir acompanhar e participar da melhor forma do crescimento da criança.”
Já para aquelas que ainda não têm filhos, segundo o estudo, maternidade significa tanto medo e incerteza quanto poder gerar uma vida. “Essas mulheres cogitam, inclusive, a ideia de desistirem do sonho de ser mãe, pois acreditam que assim vão evitar futuros sofrimentos e frustrações.”
Vida profissional
Quando se trata de trabalho, todas as mulheres que participaram do estudo disseram que essa atividade é sinônimo de bem-estar, satisfação, autonomia e independência e que parar de trabalhar é o mesmo que regredir em todos esses aspectos. Paola relata que, na visão das entrevistadas, essa “foi uma situação difícil de vivenciar e aceitar, pois significou impotência, limitação, incapacidade, comprometimento da formação e criação dos filhos pequenos, preocupação com o aporte financeiro delas e de suas famílias e insegurança quanto ao futuro, principalmente pelo fato de serem jovens”.
O estudo apontou, ainda, que as mulheres em condições possíveis de voltar ao trabalho sentiram dificuldade para retornar às atividades laborais, tanto no desempenhar das tarefas devido às limitações físicas, quanto pelo relacionamento com colegas de trabalho, que muitas vezes não conseguiam compreender suas limitações.
“Derrota, tortura, grande incômodo estético, vergonha e tristeza.” Esses são os sentimentos trazidos à tona nas mulheres que tiveram a perda da mama ou de parte dela. Ainda, segundo as entrevistadas, elas veem seu corpo como anormal, mutilado e menos atraente, o que afetou diretamente a feminilidade e a vida sexual.
A perda dos pelos e cabelos também causou forte impacto nas jovens com câncer de mama, principalmente na visão que elas têm de beleza. De acordo com os relatos, a perda dos cabelos significou “perda da identidade como mulher, como jovem e como ser humano” e “dificuldade em se olhar no espelho e deparar-se com a realidade de estar com câncer, de estar doente”.
Atenção multiprofissional
Para a pesquisadora, tratar profundamente desse assunto e conhecer a vivência dessa população são muito importantes. “Estudos sobre mulheres jovens com câncer de mama ainda são escassos, sendo que a maioria daqueles que tratam sobre essa temática são internacionais e trabalham mais as questões epidemiológicas da doença nessas mulheres, ou seja, poucos abordam a questão psicossocial, principalmente no que se refere ao trabalho, à maternidade e à imagem corporal, por isso esse estudo é inovador.”
Segundo Paola, todas as mulheres participantes do estudo recebem atendimento multiprofissional e contam com ginecologistas, oncologistas clínicos, mastologistas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. Ela explica que, como essa doença afeta a saúde física e emocional, desencadeando estresse físico e psicológico além de outros possíveis problemas, a atenção de vários profissionais é indispensável.
A dissertação “O significado da vivência do câncer de mama para mulheres jovens” foi defendida na EERP em abril deste ano, sob orientação da professora Marislei Sanches Panobianco.
Atualmente, a pesquisadora está desenvolvendo parceria com a Universidade de Queensland, na Austrália, onde deve replicar esse estudo.
Stella Arengheri, de Ribeirão Preto