por Roberto Goldkorn
“… fazem mais sucesso aqueles que são mais rápidos no gatilho, usam a intuição casada com o conhecimento”
Se você assiste futebol, já deve ter percebido, algumas jogadas onde o atacante penetra na área adversária, dribla um, dois, três zagueiros com toda a sua habilidade e, por um instante, parece que os jogadores que deveriam fazer a marcação ficam meio sem ação, chumbados no gramado. A sensação que tenho, é que os defensores param, porque assim como todos os espectadores que gostam de futebol, ficam focados no desempenho dos talentos daquele atacante, “esquecendo” de marcá-lo.
Ficar sem ação, dar um branco, ter uma ausência, agir no “piloto automático” são algumas das situações já conhecidas em que a nossa mente fica paralisada, ou reage em câmera lenta, muito lenta.
Mas existem muitas outras situações em que a nossa máquina de pensar deixa de fazer seu trabalho. Sempre que algum estímulo externo ou até interno, quebra o fluxo “ensaiado” da nossa mente, esse fluxo é interrompido e por alguns instantes sem saber o que fazer ou para onde ir, a mente para, e assim como o GPS quando você erra o caminho, ela (a mente) precisa de alguns segundos para recalcular o seu fluxo.
Nós aprendemos com os desportistas, artistas e executivos, que a razão do sucesso é o treino. No Jiu Jitsu se diz, “treino duro luta mole”, e mesmo sem sermos atletas ou artistas, ensaiamos, treinamos a nossa mente para enfrentar os desafios do dia a dia. Muitos estudiosos dizem que um desses mecanismos se chama sonho. Os generais e jogadores de xadrez, assim como os grandes negociadores, dizem que o segredo do sucesso é antecipar os movimentos do inimigo. Isso significa, criar cenários possíveis, e para cada um imaginar a nossa reação, uma, duas, dez, mil vezes.
Porém, existe sempre a possibilidade de sermos surpreendidos, driblados por um atacante talentoso, e aí… Bem ai nossa mente fica paralisada buscando velozmente recalcular uma nova resposta ao drible que não havia sido ensaiado, ou à reação não prevista seja de uma outra pessoa seja da própria vida.
Soube de um caso interessante que ilustra bem isso. Um senhor de seus setenta e tantos anos, voltava para casa na zona sul do Rio, quando um meliante chegou por trás com uma arma e deu a ordem: “Mãos ao alto, é um assalto, passa o relógio, a carteira, tudo.” O idoso, que era meio surdo, continuou andando como se nada tivesse acontecido, o assaltante saltou na sua frente e repetiu a frase fatídica. O assaltado, deu de ombros (essa frase é da idade do senhor) e continuou em frente no seu passinho curto e apressado. O assaltante começou a ficar irritado e gritou sacudindo a arma diante do nariz do idoso. Nada. Conta o folclore, que o assaltante depois de ameaçar atirar, e não ter resultado, implorou quase chorando para o velhinho parar e fazer o seu papel de assaltado e reagir como todo bom assaltado deve reagir.
Por que ele não atirou? Perguntam sempre que eu conto essa história. Por vários motivos, mas um deles certamente foi o fato de sua mente ter ficado paralisada diante de uma reação completamente inesperada. Outro motivo mais simples, talvez seja que o assaltante não era também um sádico psicopata ou sociopata.
Estamos sempre criando esquemas de ataque ou de defesa, para que não precisemos elaborar uma resposta a cada situação nova da nossa vida. Isso é confortável, mais até, é muito humano, no entanto, nos deixa reféns desse esquema. Se você der sorte de nunca encontrar o tal velhinho pela frente, beleza… seu esquema vai funcionar, mas isso é bem improvável de acontecer, e quando acontece, ficamos mentalmente congelados.
Conheci um “guru” que ficou famoso em pouco tempo. Ele criou uma organização grande, estava sempre na mídia, e obviamente ganhou muitos críticos. Como vinha de um meio simples e nunca teve estudos formais, sabia de sua fragilidade. Por isso ele criou um esquema defensivo, seu escudo era a palavrinha, não. Essa era a sua palavra porco-espinho; para tudo ou quase tudo que ele desconhecia, ou se sentia inseguro dizia, não! Quantas vezes eu o observei dizendo, não, mesmo antes do seu interlocutor terminar a frase. Muitas vezes, dias ou horas depois ele retomava a conversa e dizia, sim, mas reformulada de tal maneira que parecia que a ideia ou conclusão lhe pertencia.
Quando descobri esse esquema e sabia que tinha grandes chances de ele dizer não à minha argumentação ou tese, eu começava a frase dizendo: “Como você mesmo disse há uns meses atrás…”. Como ele falava muito e com muita gente, dificilmente se lembraria do que disse ou deixou de dizer. E como ele iria dizer não, a algo que ele mesmo havia dito?
Nesse caso, o meu contraesquema é que paralisava a sua mente. Tive de reformular o meu contraesquema, quando um dia, ele me respondeu: “Eu disse isso?” Respondi: “Sim, disse.”
“Pois então estou desdizendo.”
Nesse momento percebi que o meu esquema havia se esgotado.
Diante de tudo isso, vem a pergunta: Como evitar que haja essa paralisia mental? Não dá para evitar cem por cento, mas podemos treinar a mente para lidar com o inesperado, como diz o título de um livro Espere o Inesperado. Claro que não é fácil, nem confortável esse treinamento, nós funcionamos melhor com esquemas fixos, é mais cômodo e econômico.
Por isso, fazem mais sucesso aqueles que são mais rápidos no gatilho, usam a intuição casada com o conhecimento (e mais treinamento, ensaios, projeção de cenários etc).
Quando a gente treina o cérebro para ele reagir com velocidade na percepção do esquema do outro, ou da vida, teremos mais chances de sobreviver, porque às vezes a sobrevivência é coisa de segundos, e uma mente que se paralisa diante do inesperado, pode ser fatal.
Criar esquemas como o do meu ex-amigo citado, é bom, embora tenha as suas vulnerabilidades, principalmente num mundo tão complexo como o que vivemos, e mais ainda à medida em que você tem metas e essas são ambiciosas.
Nossa mente deve aprender a esvaziar e encher em microssegundos. Ao esvaziar ela se conecta com o Todo, o banco de dados universal onde estão todas as respostas, que os junguianos chama de Inconsciente Coletivo. Ao encher ela nos deixa prontos para “vestir” a resposta recebida em termos inteligíveis, dentro da cultura própria de cada um.
Esvaziar e encher – na velocidade do pensamento, preparar-se para o inesperado, mas sabendo que o inesperado é a exceção e não a regra. Estudar muito, mas entender que as respostas mais rápidas não vêm da educação formal, mas sim de nosso Eu superior (ou inferior), o que alguns chamam de intuição. Meditar ajuda muito nesse processo de encher e esvaziar, nos coloca aptos a alcançar o Grande Baú de Conhecimento Cósmico. Sem isso podemos, no máximo, ser cultos, refinados, mas pouco eficazes diante desse mundão onde o inesperado habita cada esquina real e virtual.
Mas se apesar de tudo, sua mente paralisar diante de um drible desconcertante de um supercraque e você ficar grudado no chão, relaxe e aprecie a obra de arte. Afinal, você ainda terá tempo depois de se redimir, e quem sabe até marcar o gol da vitória.