Exercite seu potencial criativo

por Roberto Goldkorn

Foi um dia normal, um terremoto sem consequências no Golfo do México, um golpe de estado na África Subsaariana, greves nos países comunistas e atentados a bomba na Europa Central.

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Nas manchetes dos jornais nada sobre as monumentais naves extraterrestres que estacionavam na estratosfera do planeta. Se para os habitantes da Terra parecia um dia normal, para os seres que vieram de longe… muita excitação e expectativa. Afinal, aquele era o dia. O resultado de cinquenta anos do tempo da Terra, de estudos e trabalho duro, estavam prestes a acontecer.

Duzentas mil naves do tamanho de transatlânticos sairam das plataformas protegidas por um impenetrável escudo antirradar, e se posicionaram em torno do nosso planeta, formando imediatamente uma teia de raios psitrônicos. Ao sinal do comando central a operação foi deflagrada. Quase que simultaneamente milhões de pessoas foram desmaterializadas e abduzidas, para as imensas bases espaciais. De todas as raças, culturas, idades, esses indivíduos só possuiam uma característica comum: eram todos professores. Durante anos foram investigados e receberam um chip virtual de identificação. Professores universitários, de aldeias pobres no interior da amazônia, mestres de grande saber, eruditos, ou gente simples que estava apenas um grau acima dos que por eles eram introduzidos na leitura e na escrita.

O mundo demorou alguns dias para se dar conta do tamanho da notícia. Das primeiras notas de desaparecimento registradas nas polícias locais, até o acionamento dos órgãos de investigação nacional e internacional foram algumas semanas. A imprensa estava 100% monopolizada pela pauta.

Sem professores, bilhões de crianças e jovens ficaram em casa, ou foram para as ruas. O governo dos Estados Unidos decretou emergência nacional, e desistiu quase que imediatamente de atribuir a catástrofe às organizações terroristas. Os professores das Madrassas, escolas de ensino religioso do Islã, também haviam desaparecido, todos, sem exceção. Pela 1ª vez na história da humanidade todos, absolutamente todos estavam no mesmo barco. Mas também veio da América a primeira decisão concreta: os militares seriam mandados para as escolas em regime de emergência para ensinar. Alguns países seguiram a ideia norte-americana, mas na maioria a reação indignada dos comandos militares fez morrer no berço a ideia.

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A França liderou a comunidade europeia no projeto de pagar aos pais para que eles administrassem o ensino doméstico com o apoio de material didático especial e da internet. O Brasil seguiu imediatamente esse projeto e em algumas semanas o dinheiro estava disponível para os pais qe se inscrevessem no programa. Foi um caos absoluto. A previsão inicial foi superada em quinhentas vezes. Só no Brasil, trinta milhões de pais se inscreveram depois de se demitirem de seus empregos mal remunerados e pouco atraentes. A verba inicial teve de ser revisada várias vezes. Com isso mihares de empresas perderam da noite para o dia seus quadros de terceiro e quarto escalão. A onda de falências foi avassaladora. Nos países que ainda não haviam implementado essa medida, esse foi um sinal de alerta.

EX-TUDANTES

Passados seis meses do desaparecimento dos professores, os jovens inativos e a profunda recessão que se seguiu, deram a luz a um fenômeno monstruoso. Tribos com centenas e algumas com milhares de membros se organizaram e dominaram as ruas. Primeiro ocuparam os prédios fantasmas das escolas e universidades. As autoridades aturdidas foram complascentes achando que iriam se organizar em comunas educacionais. Mas diante das notícias de estupros, sequestros, e execuções sumárias, as forças de segurança tiveram de intervir. As desocupações foram sangrentas. Milhares de jovens foram presos e o número de mortos nunca foi divulgado. O fenômeno aconteceu globalmente devido à internet a ferramenta de comunicação dos jovens que se autodenominavam EX-TUDANTES.

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Mas o pior ainda estava para acontecer. Numa desastrosa entrevista a um canal de teve americano, a lider das organizações antiprofessores Ellen Lamarc, em debate com um defensor dos professores incendiou a opinião pública mundial. Ela declarou:

“Essa crise vai passar. Na verdade foi a melhor coisa que aconteceu a humanidade desde o advento de Jesus Cristo. Os professores formavam uma classe arrogante, falsamente superior, uma pretensa elite, que transmitiam valores quase sempre deformados aos nossos filhos, constantemente atirando-os contra nós, seus pais. Viveremos numa sociedade melhor no futuro. Vocês não percebem que isso é um ato de Deus? Que só Deus poderia retirar de cena todos os professores do mundo inteiro? Esse foi o castigo deles, pela soberba, pelos alunos perseguidos, pela prepotência.”

O defensor dos professores chorando apenas teve forças para dizer: “Uma sociedade sem professores está fadada ao retorno à barbárie. Que Deus tenha piedade de nós.”

Reproduzida pelos canais de TV de todo mundo, a entrevista levou milhões de pessoas às ruas, numa guerra primitiva dos partidários de Elen Lamarc e seus opositores. As forças armadas dos países tiveram mais uma vez que intervir, milhões foram mortos e jogados em valas comuns e milhares presos. Nos Estados Unidos um estádio de futebol foi utilizado para abrigar turbas de presos nas ruas. Por isso a final da Sperbowl foi adiada o que levou multidões de torcedores para as ruas, saqueando, depredando e deixando rastros de furacão a sua passagem. O governo decretou estado marcial e toque de recolher.

Apenas 10% dos mestres aposentados e bem idosos aceitaram a convocação para voltar a ensinar e a treinar novos professores. A maioria teve medo ou de ter o mesmo destino de seus colegas ou de serem mortos pelos estudantes enfurecidos e felizes com suas férias eternas. Em alguns países se formaram aldeias de estudo aproveitando as bases da educação a distancia que havia avançado muito na última década. Mesmo com proteção policial essas aldeias eram constantemente atacadas por milícias de EX-tudantes enfurecidos.

Sem mestre, sem conhecimento

Quase um ano sem professores, as sociedades mais ricas e os países em desenvolvimento, vivem seus piores pesadelos. Várias “repúblicas” separatistas de Ex-tudantes foram criadas, as forças armadas estavam mobilizadas permanentemente. Os insurretos tinham a seu serviço jovens hackers de treze a dezessete anos, que, usando suas habilidades com o computador, derrubavam jatos militares ou faziam com que se atingissem uns aos outros com “fogo amigo”. Além disso, protegidos por contingentes de militantes podiam desviar recursos financeiros de instituições bancárias de todo o mundo. Dinheiro não lhes faltava. Milhões de sem-teto vagavam pelas ruas das grandes cidades. Havia escacez de combustível, mesmo nos países produtores de petróleo.

Num pronunciamento histórico o secretário da ONU parecendo muito mais velho e no fim de suas forças declarou:

“Estamos à beira do precipício. A nossa civilização, construída com tanto esforço para ser o apogeu do gênio humano está em colapso. Percebemos talvez tarde demais, que os professores eram a correia de transmissão das nossas culturas e das nossas sociedades. Nunca acordamos para isso. (Em uma referência ao infeliz discurso de Ellem Lamarc) Se Deus tem algo a ver com isso, Ele visou nos punir e não aos professores, pois somos nós, os castigados, somos nós os que ficamos para testemunhar os dias mais infames da humanidade. Conclamo a todos a fazer uma reflexão, se é que ainda temos tempo para isso, sobre a causa de nossa atual situação. Talvez ainda haja tempo, ainda temos os livros que os nossos mestres nos deixaram. Refugiem-se nas pequenas cidades, nas aldeias, reunam-se em torno dos livros, eles não dependem de energia elétrica e estão a salvo dos vandalos da internet. Deixem que os espíritos dos nossos bem-amados professores estejam presentes. Não deixemos apagar a última frágil, chama da civilização. Muito obrigado.”

Há muitos anos-luz da ONU num planeta com várias vezes a massa da terra e iluminado por dois sóis, quase trezentos milhões de terráqueos recebeiam explicações sobre a sua “convocação”:

“Nosso planeta teve um vertiginoso progresso científico-tecnológico nos últimos trezentos anos do tempo de vocês. Criamos máquinas de ensinar e depois chips de conhecimento que podiam ser implantados e desinstalados na medida das necessidades de cada um. Professores foram se tornando obsoletos e numa sociedade controlada cada vez mais por jovens, cada vez mais jovens, eles acabaram por praticamente desaparecer. O resultado imediato foi um surto de mais inovações, mais progresso, e a redução da criminalidade, das doenças físicas, pois a fome como vocês a conhecem já não existia mais aqui.

Nos últimos cem anos do tempo da Terra, começamos a detectar um aumento significativo do número de suicidios principalmente entre os mais jovens e promissores membros da nossa sociedade. A doença física quase que totalmente superada cedeu lugar a epidemias de depressão. Por todo o planeta pessoas se declaravam “criativamente falidas” ou seja incapacitadas para criar qualquer coisa que seja, até para apertar botões. Os Conselhos de Anciões banidos pelos governos de jovens, foram ressucitados em caráter emergencial. Depois de anos de deliberações chegaram à conclusão que nossa sociedade estava no caminho da extinção. A solução apontada por eles: Trazer professores e mestres para estimular as novas gerações {à criatividade, ao debate, ao conhecimento vivo.

O planeta mais próximo e em condições ideais era a Terra. Em tudo o vosso planeta se parecia com o nosso no passado. Por isso vocês estão aqui. Ficarão aqui o tempo suficiente para treinar nossos professores a ensinar, a estimular a criatividade e o desejo de aprender. Em cada um já foi instalado um programa de tradução de línguas, e todo o acervo de nossos conhecimentos. O método, porém, deve ser pessoal, e nisso terão toda a liberdade.

Para os que estão questionando sobre as consequências dessa operação para o vosso planeta, podemos garantir que no final tudo acabará bem. Ao término da vossa permanência aqui, voltarão em artefatos que ainda estão sendo construídos para viajar no tempo. Ao retornarem à Terra terão se passados apenas seis meses de vosso desaparecimento, tempo suficiente para que o povo do vosso planeta aprenda a lição que para nós está sendo tão dura.

Agora vamos ao trabalho. Ensinem.