por Roberto Goldkorn
Semana passou e deixou duas marcas perenes na minha alma. As duas profundamente vinculadas por um mesmo modelo psicoespiritual.
A primeira foi a agressão de uma torcida de vôlei contra um atleta homossexual. Todos berravam raivosamente “bicha, bicha, bicha!”.
Numa entrevista ele disse que não se incomodava com o tratamento, porque em todos os jogos sempre tinha uma turminha que entoava esse mesmo coro babaca.
E afinal tirando a conotação ofensiva da palavra gritada ele é “bicha” mesmo.
Mas o que mais o chocou dessa vez foi o caráter absoluto: “netos, avós, tias,” todos berravam as palavras que carregavam muito mais do seu significado original.
Eu assisti a cena e minha cabeça tonteou.
Fui levado no tempo a uma aldeia medieval, onde uma pequena multidão assistia uma “bruxa” de 17 anos ser levada a uma fogueira. Todos gritavam: “bruxa, bruxa, bruxa!” enquanto as chamas lambiam seu corpo jovem.
A outra cena foi o massacre de Realengo e a carta deixada pelo assassino.
Na carta ele falava de pureza, castidade, Deus, perdão, etc. e ainda demonstrava se importar com o destino dos animais.
As pessoas que o conheceram disseram que ele era caladão!
Essa é a chave: “caladão!”.
Em sua cela mental ele se alimentou de sua mágoa amorfa, sua rancorosa bílis sem origem sabida.
Ele não expôs seus sentimentos na arena da diversidade social.
Se o fez na internet certamente foi entre os seus, outros caladões como ele que reforçaram a sua missão – nenhum contraditório, nenhuma objeção, nada de uma segunda opinião, que mesmo de leve arranhasse seu sólido determinismo.
Tanto a torcida unida, sem brechas que, como uma única mente, se pudesse, lincharia o atleta do time adversário, como a mente do assassino de Realengo, se alimentam do mesmo produto.
A torcida ao berrar em uníssono não se permitiria ouvir qualquer contra-argumento. A mente do sujeito do Rio, fechada, idem.
Sem oxigênio a razão sufoca, as ideologias prosperam, as bombas explodem, e crianças são baleadas na cabeça.
Aqueles que só leem um único livro, por mais “sagrado” que seja, estão mortos.
Aqueles que escutam uma única voz, estão surdos.
Os que só conseguem enxergar os sinais de confirmações de suas convicções estão cegos.
Mortos, surdos e cegos, mas com vida e capacidade de destruição.
Não importa quais são as suas explicações, e quantos bilhetes e racionalizações usem para tornar seus atos menos repugnantes, todos têm uma coisa em comum: a covardia!
Pergunto-me por que os apupadores do jogador paulista não fazem isso quando o jogo for na “casa” do adversário?
Pergunto-me por que o assassino de Realengo não fez seu ato de barbárie num quartel do exército ou da polícia militar?
Apesar de estarem numa categoria sub-humana, de serem androides de forças espirituais poderosas e sanguinolentas, não se pode eximir de culpa esses braços armados do mal.
Seres sem Alma, ocos, permitiram ser guiados pelas egrégoras de sangue.
Não há perdão, não há possibilidade de redenção a esses sem alma.
Quanto aos torcedores que se deixaram tomar pela egrégora inquisitorial medieval, e pelos que no twitter apoiam o assassino de Realengo – cuidado, quando se abre uma fresta o bicho arromba a porta.
* Exilamento é um neologismo que tenta juntar exílio com isolamento.