por Luís César Ebraico
Marília, após uns vinte minutos de sessão em completo silêncio, levanta-se para ir embora:
LC: – O que aconteceu?
MARÍLIA: – Ué, não tenho nada para dizer!
LC: – E daí?
MARÍLIA: – Ué, aqui não é pra falar? Eu não tenho nada para falar, então é melhor eu ir embora.
LC: – Eu disse para você que nosso objetivo aqui é o de que você fale?
MARÍLIA: – Não, não disse, mas todo mundo sabe que o objetivo de uma análise é a pessoa falar.
LC: – Desculpe, não compartilho desse ponto de vista.
MARÍLIA (indicando surpresa e sentando-se no divã, onde estivera anteriormente deitada): – Não?!
LC: – Não.
MARÍLIA : – E qual é, então, o objetivo da análise?
LC: – É fazer a pessoa entrar em contato com coisas que são difíceis para ela.
MARÍLIA : – !!!
LC: – E, pelo que você demonstrou até agora, é muito mais difícil para você ficar calada do que falar sem parar. Aliás, a impressão que me dá é que as palavras jorram de você como uma cortina protetora para que nem eu nem você entremos em contato com o que verdadeiramente lhe perturba.
MARÍLIA : – Você está dizendo que eu uso a palavra para me defender?
LC: – Parece. Aliás, embora eu ache que ele estava generalizando algo que é possível, mas não necessário, Voltaire dizia que a palavra é "o instrumento mediante o qual a pessoa esconde o próprio pensamento".
MARÍLIA : – Que exagero!
LC: – Também acho, mas, muitas vezes, você me deu a impressão de que estava fazendo exatamente isso.
MARÍLIA : – E por que diabos eu faria uma coisa dessas? O que é que eu estaria tentando esconder?
LC: – Bem, Marília, não posso ter certeza, porque ainda não exploramos isso juntos, mas, o que vem à minha mente são as inúmeras vezes em que você mencionou sentir-se aquém do que os outros esperam de você. Se você acha que o que um psicanalista espera de você são palavras, imagino que não as ter para fornecê-las a mim seja uma situação desproporcionalmente incômoda para você e, na verdade, degustar esse incômodo e encontrar a raiz dele seria nossa melhor tarefa, o que vai ficar difícil se você for embora.
MARÍLIA : – Bem, na verdade, blá, blá, blá, blá, blá, blá…
Disse, em outro destes "DIÁLOGOS", que toda a Psicanálise bem-sucedida é um tratamento de logofobias, o que – esse fragmento de sessão nos permite melhor esclarecer isso – pode ser tanto a fobia de falar quanto a de calar.
Conclusão: se o paciente provier de um ambiente familiar que o impediu de falar e cair nas mãos de um psicanalista que o proibe de calar, não fez mais do que sair da frigideira para cair no fogo…