por Ceres Araujo
Há trinta, quarenta anos, poucas mães trabalhavam fora de suas casas.
A grande maioria cuidava de seus filhos e era responsável pela organização dos serviços domésticos. As que saiam de casa para trabalhar, viviam sob culpa imensa. Seus filhos, carentes da presença da mãe, eram diferentes das demais crianças, as quais estavam sempre acompanhadas de suas mães.
Os anos se passaram e hoje, ao contrário, a maioria das mulheres está no mercado de trabalho. As mulheres atualmente precisam trabalhar para dividir os encargos financeiros do lar e para se afirmarem no mundo como pessoas. Na contemporaneidade, trabalho significa necessidade e razão de vida. A profissão e o trabalho fazem parte da identidade do indivíduo.
Os filhos das mulheres que trabalham fora, já pertencem à maioria das crianças, mas, mesmo assim, não se observa a diminuição de culpa das mães, por se afastarem de seus filhos. Tal culpa continua a penalizá-las, principalmente se além dos ganhos financeiros que trazem para a família, ainda apreciam seu trabalho e/ou são bem-sucedidas profissionalmente.
Quando um bebê nasce, o corpo, o cérebro e a mente de sua mãe se preparam para recebê-lo. Estabelece-se uma relação de paixão de mão dupla, tão necessária para o desenvolvimento saudável da criança, como necessária para a estruturação da personalidade da mulher que se tornou mãe. A licença- maternidade concede pelo menos quatro meses para que a dupla mãe-bebê estabeleça uma relação de sintonia, crie o primeiro espaço da intersubjetividade e nasça um amor incondicional.
Assim, é compreensível a enorme dificuldade que a mãe sente ao precisar se separar de seu bebê e voltar ao trabalho. É como se ela precisasse se separar de um pedaço de si mesma. Além disso, os cuidados com o bebê, com o “pedaço de si mesma” necessitam ser “terceirizados”.
Babás, avós ou berçário são as escolhas possíveis. Cumpre lembrar que as babás estão cada vez mais raras, grande parte das avós, hoje, ainda trabalha e os berçários muitas vezes acabam sendo a melhor ou única opção para deixar o bebê. Ainda que a mãe possa, graças à tecnologia atual, monitorar os movimentos de seu filho em casa ou no berçário, a culpa por não tomar conta dele é avassaladora.
A culpa é amplificada quando o filho bebê ou mesmo o filho maiorzinho, chora desesperado quando a mãe se prepara para sair de casa ou deixá-lo na escola. É um momento doloroso e muitas mulheres preferem se afastar de forma escondida, o que é péssimo para ela e pior ainda para o filho que se percebe enganado, justamente por quem ele mais confia.
É frequente que quando se finda o trabalho, no reencontro com os filhos, a mãe busque compensar sua culpa com mimos inadequados e com a abolição de quaisquer interdições ao comportamento da criança. Essa compensação é sempre ruim.
A culpa por se afastar dos filhos precisa ser melhor elaborada. O trabalho é uma função que dignifica o ser humano, sendo a atividade profissional parte essencial da identidade da pessoa. O trabalho feminino é atualmente fator de peso na economia mundial. Se a criança antigamente se sentia abandonada por sua mãe trabalhar fora de casa, a criança de hoje em geral estranha a mãe que não tem uma profissão.
O fato da mãe ser médica, jornalista, advogada, professora… trabalhar nessa ou naquela empresa ou instituição agrega valor à identidade da criança. Ela se sente desvalorizada quando sua mãe “não é nada profissionalmente". Algumas crianças contam com orgulho que sua avó já se aposentou, mas gosta de trabalhar muito. Crianças que têm mães, pais e avós bem inseridos no mercado de trabalho, possuem a chance de internalizar um modelo de trabalho dignificante.
Atualmente, parece que os trabalhos domésticos e com os filhos não estão tão em alta assim na visão de muitas crianças. Filhos adolescentes, na idade do confronto necessário com os pais, muitas vezes expõem de forma ferina a falta de valor da mãe que não é força de trabalho na sociedade.
Mesmo assim, crianças continuam chorando quando suas mães saem para trabalhar e as mães continuam com uma culpa incomensurável por “terceirizarem” seus filhos. Talvez, ajude saber que quando uma mãe se afasta de seu bebê ou de sua criança já maiorzinha, eles irão ficar tristes mesmo, pois estarão antecipando a ausência dela. Entretanto, é justamente no espaço da falta que nasce a saudade, o desejo e o amor pela pessoa ausente. Assim, viver o espaço da falta não é maléfico para a criança, pelo contrário, essa vivência é benéfica por ser constituinte para a relação amorosa. Tem-se saudade de quem se ama.
O espaço da falta precisa ser bem dimensionado. O afastamento precisa ser gradual e a criança tem que ter certeza que sua mãe volta. O afastar-se e sempre voltar dá segurança à criança. É necessário que se dê parâmetros que a criança possa entender. Por exemplo, pode-se dizer: "A mamãe vai sair ou vai trabalhar, mas a mamãe volta, volta antes do dia acabar ou quando a estrelinha aparecer ou quando o ponteiro do relógio estiver ali etc.", cumprindo sempre inexoravelmente o combinado.
Pode-se ainda contar a historinha do segundo cordão umbilical que une mãe e filho que, diferente do primeiro que foi cortado, quando ele ou ela nasceu, jamais será cortado. É um cordão invisível ou virtual, se quiser usar um termo mais contemporâneo, um cordão que se estica muito, que sai pela porta, entra no elevador, entra em todos os prédios, sobe no avião e está sempre ligando a mãe e seu filho pela eternidade.
Êxito profissional não é incompatível com êxito da função materna. Não é fácil combinar função profissional com função materna, mas não é impossível. Pode-se gostar muito de seu trabalho, buscar competência nele e também agraciar os filhos com os cuidados de um amor incondicional, com um tempo para eles, livre de culpas descabidas.