por Angelina Garcia
Vivia uma falta permanente: o filme que não viu; o livro que não leu; a música que não ouviu; uma nova tecnologia à qual não teve acesso; a cidade turística que não visitou. Amália assoberbava-se com a ideia do quanto esperava por ela e, como consequência, sentia-se, o tempo todo, cansada, ansiosa, irritada, pois até as pequenas tarefas do dia a dia eram realizadas sob o peso da dívida. Pior quando alguém, por desconhecer esse seu lado, ou, quem sabe, intencionalmente, tocava-lhe a ferida: – Nossa! Mas você ainda não viu …
É mesmo difícil admitir a impossibilidade em se atender a tanto chamariz, já que o contexto está organizado exatamente para criar necessidades, como se elas fossem quase iguais para todos; o que, é claro, gera competição. Não é apenas o fato de não ter visto, assistido, visitado, o que incomoda, mas saber que o outro viu, assistiu, visitou. Nem percebemos que há uma cadeia infindável de coisas pelas quais muitas vezes nos prejudicamos e não conseguimos a satisfação almejada; mal nos aproximamos do objeto do desejo, algo novo nos arrebata.
Foi compartilhando um álbum de viagem, que Amália pode repensar sua posição. Ia e voltava em uma sequência de fotos, querendo saber o que a amiga experimentou ao visitar aquela variedade de ruínas italianas. Chocou-se com o “tudo igual, uma velharia caindo aos pedaços”. Solange falava sério, achou um porre viajar tanto para ver “aquilo”. Coisas do marido, reclamava.
Amália, no entanto, sentiu-se mobilizada pelas fotos. Alguma coisa que não saberia explicar remexeu-se dentro de si. Reconstruiu templos do que sobrou da complexa arquitetura; reuniu deuses, semideuses, heróis, ninfas, mortais e, sobretudo, tomou partido nas batalhas e nas paixões. Relacionou a outras histórias, a outros povos, à sua história. Correu para casa e sentiu-se mais humana na ternura do beijo no que restou do cabelo de vô Pepe. Pediu-lhe mais histórias.
Certo alivio tomou conta de Amália, ao perceber que o significado de "experiência" não se relaciona ao número de coisas com que se tenha contato, nem à maneira como ele ocorre. A experiência diz do sentido do que se experimenta; aquilo que fica e é capaz de reconstruir, modificar algo no e para o sujeito. Ficaria devendo a si mesma, isto sim, caso não se mantivesse alerta às possibilidades de sentidos no mais amplo e profundo das suas possíveis experiências.