por Luciana Ruffo – psicóloga do NPPI
Este texto é a segunda parte sobre o tema comportamento fake: utilização de perfil falso na internet – para ler a primeira parte clique aqui.
Nos tempos modernos, o teatro ainda existe, mas os jovens encontraram uma maneira mais rápida e prática de viverem seus personagens internos no seu dia-a- dia. Trata-se dos fakes – do inglês “falso” – os perfis criados no Orkut por adolescentes e adultos com um nome, rosto e muitas vezes personalidades diferentes dos seus papéis “reais” componentes do seu dia a dia.
Existem diversas formas de fakes: os que se fazem passar por pessoas famosas, os que trocam o seu nome “real” e passam a viver uma outra identidade, os que trocam seu nome e rosto por outros, anônimos.
Existe também fakes que buscam interagir com outros fakes na internet. Geralmente são pessoas que buscam, apesar da contradição, viver sem máscaras, tentando relacionar-se com a essência do outro, independentemente do rosto e do nome que o outro tenha.
Viver a experiência de se comunicar anonimamente é algo que atrai muitos usuários da internet. A possibilidade de experimentar, sem julgamentos, um novo comportamento é um dos fatores que torna o fake mais interessante.
Assumir um fake também pode ser uma forma de expor necessidades humanas não satisfeitas na vida presencial como, por exemplo, o desejo de ser amado e querido. Mas quando tais esperanças são depositadas em um perfil fake, o investimento emocional de seu dono tende a ser grande, e consequentemente uma forte decepção pode acontecer quando ele se envolve demais com seus interlocutores virtuais e tenta trazer essa relação para o seu dia a dia.
Outra forma de assumir um fake é aquela onde a pessoa, por alguma razão real, não pode se mostrar como ela é de verdade na internet. Por exemplo, pessoas que por uma questão de vida pública não podem expressar seus gostos de forma aberta. Vivemos em uma sociedade onde o julgamento ainda permeia a maioria das relações e ter gostos excêntricos, ou diferentes dos que são aceitos, pode trazer complicações como, por exemplo, a perda de um emprego. Na maior parte das vezes essas situações envolvem questões de cunho sexual, levando seus adeptos a criar perfis falsos com o objetivo de se relacionar com pessoas com os mesmos gostos, sem precisar se expor e arriscar-se a perdas em sua vida real.
Não há nada de errado em alguém experimentar ser diferente. A internet é um espaço que nos permite viver uma nova realidade, experimentar um eu diferente do usual, ver como as pessoas reagem aos nossos novos comportamentos.
Mas é importante sabermos que o fake nada mais é do que um lado de nós mesmos. Se eu crio um personagem, por mais que este pareça diferente de mim, ele ainda assim vai conter componentes da minha personalidade, do meu jeito de ser.
E um cuidado é fundamental: O que não pode ser esquecido é que existe um limite entre real e virtual. Um personagem fake muitas vezes toma forma, e ganha tanta força que o seu “dono” esquece que tem uma vida real e começa a viver, relacionar-se e pensar apenas como o seu personagem o faria. Esse tipo de “identificação” pode gerar muitos problemas e decepções, uma vez que algumas pessoas chegam a se apaixonar por outras, quando estão travestidas de seus fakes.
Se o fake é experimentado por alguém como brincadeira, de forma lúdica e experimental, pode ser uma experiência muito positiva. Possibilita ao seu “autor” conhecer pessoas, interagir, aprender sobre seus próprios sentimentos e possibilidades de desempenhar novos papéis sociais, experiência essa à qual normalmente não se arriscaria expondo sua face “real”.
Experimentar é saudável, e pode nos ajudar a integrar ainda mais aspectos de nossa personalidade que são obscuros a nós mesmos. Só vale lembrar que não se deve investir todas as nossas fichas em uma criação, é importante saber separar as coisas cultivando uma vida real saudável para a qual transpor os bons frutos dessa brincadeira.