por Ceres Araujo
Os contos de fada são terríveis em relação aos padrastos e madrastas. Interpretados literalmente falam da perda dos pais e sua substituição por pessoas, em geral, más. Madrasta é uma palavra que vem de mater, madre, mesma forma que a palavra mãe e não deve ser associada à má, como muitos, errônea e preconceituosamente consideram.
Simbolicamente, porém, outra interpretação merece ser dada: padrastos e madrastas podem representar um polo oposto e importante das relações pais-filhos. A criança precisa de amor, carinho, aconchego, proteção, esse é um polo, mas precisa também do estímulo para o crescimento, para a autonomia, o outro polo. Padrastos e madrastas, com mais objetividade, podem ajudar muito nesse sentido. Caso a criança seja superprotegida e não incentivada à independência, ela não crescerá psicologicamente e permanecerá para sempre o filhinho da mamãe ou o filhinho do papai.
Na vida real, na atualidade, a relação entre enteados, padrastos e madrastas é muito mais frequente que em épocas anteriores, dada a elevada porcentagem de divórcios entre os pais. Essa relação é muito delicada e merece cuidados.
Para o crescimento da criança ou do jovem, ter padrastos ou madrastas e também conviver com eles, é melhor com que conviver apenas com a mãe separada ou o pai separado, que, declaradamente, abdicaram de uma nova conjugalidade. Isso porque, caso um novo casal não se constitua, existirá uma grande possibilidade da inflação no papel de mãe ou de pai, com ônus futuros sérios para o filho.
Cumpre salientar que o papel de padrasto e madrasta é fundamentalmente diferente do papel de pai e mãe. Confundir tais papéis significa ter que lidar com conflitos, muitas vezes sem chance de resolução satisfatória.
Nas famílias que se reconstituem, observa-se algumas vezes um convívio adequado e outras vezes uma impossibilidade de convívio de mãe e madrasta, pai e padrasto. Porém, a criança e o jovem precisam ser ensinados a esse convívio. Sentimentos de ciúmes, inveja e traição, feridas e mágoas antigas dos pais separados podem ser administrados, se não superados, em prol de um ambiente físico e psicológico melhor para os filhos.
A relação padrasto/madrasta – enteado(a) é uma relação a ser construída bem devagar, frequentemente com avanços e recuos. Respeito e amor se conquistam, jamais podem ser exigidos. É necessária paciência, persistência e otimismo. É preciso inteligência e sabedoria para lidar com tentativas de manipulação e controle do enteado(a) de todas as idades. Por um lado, jamais um adulto pode ficar refém de uma criança ou um adolescente. Tal submissão é ruim para o adulto e péssima para a criança e o adolescente que automaticamente se percebem todo poderosos e, consequentemente, desprotegidos, por estarem rodeados de adultos frágeis. Por outro lado, confrontos diretos e uso de autoritarismo estão fadados a insucessos.
Como, então proceder? Uma pré-condição é gostar de lidar com desafios: um enteado(a) sempre trará o desafio de uma relação a ser estabelecida. Interessar-se de verdade pela vida dessa criança é um excelente modo de aproximação. Descobrir interesses em comum e partilhar sonhos pode ser muito prazeroso. Frente aos conflitos, cabe ao padrasto ou madrasta observar cuidadosamente o que ocorre. Com frequência, eles terão mais objetividade que os pais para entenderem o que está ocorrendo com a criança ou com o jovem, porém, não cabe a eles a intervenção direta. Se a criança ou o jovem tem pai e mãe, cabe sempre a eles a atitude educativa direta. A intervenção de padrasto ou madrasta precisa ser indireta, via o cônjuge, que é a mãe ou o pai da criança. A esses cabe o controle e o domínio do filho.
Entretanto, padrasto e madrasta não devem ser considerados em posição marginal à família. Ele e ela pertencem, de fato, ao núcleo expandido da família. O novo casal constituído dirige e controla as coisas da sua casa – isso precisa ficar claríssimo para as crianças, mas quem dá ordens diretas para o filho é o pai ou a mãe, não deve ser a madrasta ou o padrasto. Conselhos para os enteados em geral são bem recebidos. Imposições, entretanto, jamais devem ser estabelecidas. Essas ficam por conta do pai e da mãe.
Nas famílias reconstituídas, os modelos de identificação da criança, são formados primariamente pela mãe e pai, mas também pelo padrasto e/ou pela madrasta e depois por todos os adultos significativos da vida da criança. Padrastos e madrastas podem ser até melhores modelos que os pais. Conviver junto a pessoas íntegras, éticas, responsáveis e amorosas é um enorme benefício para a constituição da identidade da criança.
Em muitas famílias reconstituídas, pai e mãe têm novos casamentos e com o padrasto e a madrasta o filho ganha também os "avós-drastos", além de mais tios e primos e além dos possíveis meio-irmãos. A família dos tempos contemporâneos é, assim, muitas vezes um "condomínio", mais difícil de administrar, mas se olhada sem preconceito, pode ser perfeitamente viável e sem patologias.