por Samanta Obadia
O cotidiano corrido nos deixa insensíveis ao que é mais importante dentro e fora de nós. Entendo bem o sentido de férias, como um tempo que devemos nos dar para deixar a vida fluir por ela mesma, como o tempo infantil-senil, puro.
De Fevereiro a Dezembro, o tempo nos controla em nossos afazeres, horários para comer, trabalhar, dormir, conversar, amar. Louca disciplina a que nos habituamos para sobreviver ao conturbado e inumano destino civilizatório. Ou nos encaixamos ou nos encaixotam mais cedo do que deveria ser.
A morte de nosso tempo interior acontece aos poucos, no dia a dia em que corremos de um lado para o outro, cumprindo com obrigações fúteis, ou não.
E de repente, Janeiro, um mês com menos obrigações, porque elas sempre existem. Porém, não todo o tempo, e aí, você vai ao mercado e faz a unha no horário marcado, mas no retorno a casa, você olha vitrines, lê as capas de revistas demoradamente, encontra alguém e conversa, sem olhar o relógio, e no caminho para e olha o céu. Pra quê? Para nada, para ser somente você olhando o céu. Essa sensação chamada de férias é simplesmente o gozar a saúde de ver a vida fluir sem freios.
Não há para mim prazer maior do que fazer as coisas ao seu tempo, em sua urgência, sem pressa. É abrir o armário para guardar as roupas limpas e parar para pregar um botão que despenca, sem precisar agendá-lo para a hora da novela.
Ter tempo para andar sem pressa e olhar o mundo que nos cerca, sem precisar pegar um avião e distanciar-se. É perceber que próximo de casa existe pessoas e lugares que você mal conhecia, e que são muito legais. Prazeres simples, possíveis e reais, que podem ser curtidos no dia a dia, sem precisar esperar as férias para isso.
Só em pensar que tem pessoas que agendam férias com o tempo contado pra tudo, me dá um arrepio. Lembro-me de um texto da cara Danuza Leão, onde ela fala do quanto as pessoas poderosas estão presas ao seu poder. E vejo que a maior parte das pessoas é prisioneira de seus afazeres, de suas ambições, de seus destinos e que suas almas nunca tiram férias.
Pensando nisso e, melhor, sentindo isso, resolvi, que milhões de projetos que assolam meus múltiplos talentos ficarão para depois, e que eles venham um de cada vez, porque minha alma está encantada com suas férias.
Citando a poeta Caró Lago, a palavra Férias começa com a sílaba Fé, e esta deve ser fruto de um movimento contínuo e diário e não um recurso procurado quando estamos em apuros. Do mesmo modo, as férias devem ser um sentimento de descanso da alma corriqueiro e não um tempo agendado para observar o que há de mais valioso em nós, a vida.