por Ceres Araujo
Ser filho de pais separados, além do estigma, era importante fator de risco para o desenvolvimento psicológico, há anos atrás. Atualmente, dado o número considerável de crianças que têm seus pais separados, o estigma desapareceu e o peso do fator de risco decresceu.
Não se trata de aqui fazer uma apologia da separação, muito pelo contrário. A separação dos pais é algo temido pelas crianças e é conteúdo de fantasias perturbadoras. Entretanto, viver no velório do casamento, já morto, de seus pais é um considerável fator de risco para o desenvolvimento psicológico.
A separação do casal de pais é vivida como traumática para a criança e causa sempre um nível de estresse acima de suas condições de administrar, o que pode determinar o chamado “transtorno do estresse pós-situação traumática”. Tal situação pode ser caracterizada como aguda. Mas, viver a tensão de uma casa, onde os pais já não se entendem mais, viver sob a atmosfera de uma guerra declarada ou mesmo de uma guerra fria, causa um estresse crônico, que mina progressivamente os recursos da criança. A energia, que deveria estar investida nos processos de crescimento, passa a manter modos defensivos para sobreviver frente às brigas e às disputas dos pais.
Existem famílias constituídas, desconstituídas, destruídas e reconstituídas. Vivemos em uma época, onde existem casais que moram juntos na casa com seus filhos. Existem, também, casais separados que moram em casas separadas, casais separados que moram na mesma casa e casais juntos que moram em casas separadas.
Guarda compartilhada
Sob a guarda de um dos pais, em geral a mãe, os filhos crescem, morando com um deles e visitando o outro. Nos dias atuais, a guarda compartilhada trouxe o ganho importante da co-responsabilidade real dos pais em relação a seus filhos, mas, muitas vezes mal compreendida, faz com que a criança cada dia fique na casa de um dos pais. Tal situação, se, por um lado, permite aos pais a companhia igualitária das crianças, por outro lado, causa um desequilíbrio a elas, que permanecem mais na rua, nômades, morando, com sua mochila, no carro. Acordar, cada dia, em uma cama não é fator de estabilidade para ninguém.
Mães e pais separados começam a namorar e, muitas vezes, se casam. As famílias se reconstituem. É algo esperado e muitas vezes, benéfico para as crianças. O casal é sempre o modelo importante de relação de par. Assim, ter os pais felizes em novas relações conjugais é, idealmente, algo positivo para o desenvolvimento dos filhos. Porém, cumpre salientar, que a reconstituição da família é algo delicadíssimo e requer muita paciência, muita calma e muita sabedoria.
Madrastas e padrastros, diferentemente dos personagens dos contos de fada, podem ser figuras benéficas e podem trazer à criança, o aprendizado de novas e sadias formas de relacionamento. Mas é longo o tempo da transformação verdadeira da mulher do pai em madrasta e do marido da mãe em padrasto. Podem existir fases de negação, de não aceitação, de confronto, de hostilidade aberta ou velada, antes da possibilidade de aceitação e de trocas afetivas. Parece, entretanto, que o processo vale a pena para ambos os lados, pelo testemunho de pessoas que viveram tal experiência.
Filhos de padrastos e filhos de madrastas, meio-irmãos, “avodrastos”, tios de todos os lados ampliam a família nesses tempos hipermodernos. Em muitos casos, a família nuclear deu lugar à uma comunidade familiar. Reside-se não mais em uma casa, mas em um verdadeiro condomínio. Assim, novas regras de convivência estão sendo elaboradas, para que os filhos de famílias reconstituídas possam viver e crescer em uma atmosfera rica de estímulos, sem dúvida, mas também de paz.