por Roberto Goldkorn
Com traje de enfermeira Vilma Martins Costa roubou Pedrinho na maternidade de um hospital em Goiania em 1986. O caso Vilma ainda é notícia na imprensa. Osvaldo Martins Borges Júnior, o Pedrinho, acaba de ganhar na justiça um novo nome: Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto.
Esse caso e outros são apenas a ponta do iceberg de um fenômeno, infelizmente, muito mais abrangente. Das milhares de crianças desaparecidas, muitas devem estar sendo criadas por mães de rapina. Esse é mais um dos grandes mistérios da alma humana, um enigma intrincado que envolve amor, loucura, solidão, e mais uma dúzia de instintos primitivos. Não vamos discutir aqui se o instinto materno existe, ou seja, é inato como querem alguns estudiosos, ou não existe, isto é, foi adquirido e é basicamente cultural como querem outros.
Essa discussão, por mais interessante que seja, não cabe aqui. O que importa é saber até que ponto a loucura da sociedade contemporânea, a insensibilização, a indiferença aos sentimentos dos outros contamina esse "instinto" ou seja lá o que for.
Sabemos que é muito fácil adotar e desenvolver um grande amor por um filho não gerado biologicamente. Também sabemos que é possível desenvolver ódio e desejos proibidos que, muitas vezes vão além do simples desejar, pelos filhos da carne.
Mas o que proponho aqui, é saber se há realmente um amor, um amor maternal real, forte o suficiente para que a sua realização signifique o assassinato de outro amor maternal. É possível defender as "Vilmas" e outras rapinantes das crianças alheias, com base nesse argumento: "Ah, mas elas não roubaram as crianças para maltratá-las, ou para vender seus órgãos, nem para rituais de magia negra. Roubaram para criá-los como se fossem seus filhos…"
Ano passado defendi num artigo aqui nesse site, a superioridade do princípio feminino sobre o masculino, o que gerou muitas críticas azedas dos homens, é claro. Mas defendi esse princípio e não as mulheres em si, pelo fato do princípio feminino, e não as mulheres, ser o único capaz de abrigar e esculpir a nova vida.
É apenas o princípio feminino que acolhe em seu espaço bioenergético uma outra vida, diferente da sua, um corpo estranho, que o seu organismo generosamente não rejeita, sem necessitar de ciclosporina (droga contra a rejeição de corpos estranhos, sem a qual os transplantes seriam impossíveis). Esse comportamento inclusivo, solidário, protetor, nutridor, faz parte da tipicidade do princípio feminino, sem ele não haveria a vida como a concebemos.
Podemos dizer, sem medo de errar, que todas as mulheres vêm equipadas de fábrica com o princípio feminino, mas nem todas vêm com os acessórios completos. E algumas vêm tão deficientes, que estão bem abaixo da categoria masculina do princípio feminino. Se houvesse algo como uma ética de fabricante, (como na indústria automobilística) muitas dessas mulheres seriam convocadas para um recall, ou seja, voltar a fábrica para consertar esse defeito original.
Essa deficiência se manifesta quando uma mulher, rouba o direito de maternidade de outra. Roubar aqui não tem nenhuma conotação extra, é roubar mesmo, surrupiar, retirar de forma abusiva, etc. Por mais intenso e incomensurável que seja o desejo da maternidade, ele só é legítimo e saudável se for inclusivo, ou seja, se não excluir, um outro desejo de maternidade.
Em termos simples, para eu ser mãe, não posso fazê-lo privando você de sua maternidade. Esse não é o princípio feminino, esse é o princípio de morte. Pode-se argumentar que essas rapinantes são mulheres doentes, pode ser, se considerarmos doentes os traficantes, os seqüestradores, os matadores de aluguel, os estupradores, todos que praticam uma violência contra a vida, contra o direito de existir, contra a possibilidade de felicidade, aí podemos incluí-las na lista das doentes. Mas na verdade são doentes da civilização. Elas estão contaminadas pela nossa velha e boa doença do poder e da indiferença ao sofrimento do outro.
Nos EUA, existe a doentia filosofia do I don't care, traduzindo eu não ligo, não dou a mínima, ou mais brasileirinha – Tô nem aí! Essas mulheres taradas pelo poder da maternidade vapt-vupt, não estão nem aí com as mães de quem roubaram seus bebês, não estão nem aí com o futuro nebuloso de seus "filhos", não estão nem aí, se vão levar essas crianças para condições de vida tenebrosas e infra-humanas. Como no caso da empregada do Guarujá, que morava num barraco podre e sem condições de abrigar ratos com um pouco de decência.
Essas mulheres lesadas, não são habitadas pelo princípio feminino, pois esse princípio está sempre pronto a se sacrificar pela nova vida. Todos devem lembrar da história do grande rei Salomão, célebre por sua sabedoria, quando teve que julgar o caso de duas mulheres que disputavam uma criança. As duas (uma devia se chamar Vilma), agarravam a criança dizendo: senhor esse filho é meu. Salomão, incapaz de encomendar um DNA, pegou a espada e sentenciou. "Muito bem, vocês são duas e a criança é apenas uma. Vou cortá-la no meio, e dar uma metade para cada uma". A "Vilma" aceitou achando justa a proposta, a outra, chorando, renunciou à criança, dizendo: "Não, por favor, não a mate, dê-lhe a criança, ela é a verdadeira mãe".
Imediatamente Salomão mandou prender "Vilma", e entregou o bebê, para a mãe que quis preservar-lhe a vida. Assim funciona o princípio feminino, e não ao contrário.
A sociedade, como "mãe" coletiva de todos nós, também precisa curar as doenças da maternidade rapinante, que rouba o direito do ser humano à qualidade de vida. Assim como as "Vilmas" que roubam crianças, esquecendo das verdadeiras mães e, esquecendo de que essas crianças serão adultos, se conseguirem chegar lá, a sociedade que incentiva o parir irresponsável de ninhadas que não poderão receber atenção, carinho e qualidade educacional, também viola um dos princípios femininos de generosidade e da Vida.
As "Vilmas" do Brasil, são crias dessa sociedade madrasta, que ora mata os filhos excedentes, como na China, ora mata o direito de ser feliz das ninhadas que nascem em barracos junto com ratos e baratas. Que fique registrada a minha indignação, para que daqui a 200 anos, quando os nossos descendentes olharem o nosso tempo, com incompreensão e censura implacável, vejam que havia quem acreditava no princípio feminino e nas doenças que o espreitam.