por Angelo Medina
De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido do mundo e de nossa vida? Respostas para estas e outras questões são apresentadas no CD-rom Dialética Para Todos na forma de uma "filosofia singela, sem frescuras, sem enfeites e sem ranço acadêmico". A definição é do autor do CD-rom o Prof.Dr. em filosofia Carlos Roberto Cirne-Lima, da UFRGS, PUC/RS e da UNISINOS.
O objetivo do CD-rom é propiciar aos jovens, através de um suporte multimídia, as idéias centrais da filosofia, já que a mesma tornou-se matéria obrigatória nas escolas. Além de muito didático, fala de forma lúdica a linguagem dos jovens com imagens, animações, etc.
Cuidadosamente bem produzido, o CD consumiu sete anos de trabalho e foi baseado no seu livro Dialética para Principiantes, que já apresentava a filosofia de uma forma mais intimista.
Nesta entrevista ao Vya Estelar, Cirne-Lima explica por que a filosofia vem despertando tanto interesse, fala sobre suas transformações, seu papel nos dias de hoje e como a filosofia enxerga Deus. O filósofo diz como anda a cabeça do homem pós-moderno, em qual aspecto ele evoluiu e avalia a questão da ética/política na sociedade brasileira, a partir do resultado do último pleito.
Vya Estelar – A filosofia tem ganhado cada vez mais espaço na mídia. A que o senhor atribui isso?
Carlos Cirne-Lima – A pergunta pelo sentido da vida está cada vez mais se impondo como a questão central de nossa existência. A mídia percebeu essa demanda e via de regra não tem reposta nenhuma.
Vya Estelar – A popularização da filosofia numa linguagem simplificada é boa ou ruim para a própria filosofia?
Carlos Cirne-Lima – Aquilo que os franceses chamam de "alta vulgarização" é para um cientista uma das tarefas mais difíceis de se realizar. Qualquer um sabe falar a linguagem técnica de sua ciência, mas poucos conseguem formular sem graves distorções os problemas importantes de sua ciência numa linguagem compreensível. Isso vale para qualquer ciência: Física, Matemática, Biologia, etc; vale também para a Filosofia. A importância deste tipo de trabalho é que os resultados da ciência não fiquem nas cabeças de uns poucos privilegiados, mas estejam à disposição de quem quiser saciar sua sede de saber.
Vya Estelar – Existe um caminho através do qual o homem possa criar uma relação de bem-estar entre ele e o universo? Ou seja, dele estar bem no mundo, com a vida e com sua existência?
Carlos Cirne-Lima – Exatamente esta é a questão que move a Filosofia. A resposta é dada pela Filosofia
Vya Estelar – A religião é a forma que o homem encontrou para se ligar a Deus ou a uma energia maior abstrata que lhe dá a sensação de conforto, amparo, proteção e positivismo. Como a filosofia encara a multiplicidade de religiões e, por que não dizer, Deus?
Carlos Cirne-Lima – Deus, em Filosofia, é compreendido de diversas maneiras. Alguns defendem o teísmo, doutrina em que Deus é transcendente e está fora do mundo. Outros defendem o panteísmo ou o panenteísmo, doutrina que diz que Deus está em tudo e em todos. O pensador ateu, a rigor, é algo que não existe, pois se não existe Deus nenhum, então automaticamente o Universo é o próprio Deus. A multiplicidade de religiões é um fenômeno correlato à multiplicidade de Filosofias e de culturas. É preciso analisar em detalhe cada uma delas e dizer o que está certo, o que está errado. É óbvio que nos fundamentos de um sistema, a verdade é uma só. Mas nas ramificações de qualquer sistema como na própria vida, há vários tipos de verdade. Uma não exclui a outra; ao contrário, uma verdade parcial se completa com outra verdade parcial. Aliás, assim é que a síntese dialética nasce da verdade apenas parcial de tese e antítese.
Vya Estelar – Dos tempos de Heráclito, o pai da dialética, (aproximadamente 544 a.C. – 484 a.C) até os dias atuais, como o senhor avalia o pensamento humano, evoluímos, regredimos? O homem pós-moderno está 'doente' ou consegue juntar as peças de seu quebra-cabeça existencial?
Carlos Cirne-Lima – Houve sem dúvida um enorme progresso intelectual. O homem pós-moderno está realmente doente porque não está conseguindo juntar as múltiplas peças do quebra-cabeça que é a vida. O mundo e nossas vidas ficaram mais e mais complexos. O remédio – o único remédio – para isso é fazer boa Filosofia.
Vya Estelar – Nossa sociedade está perdendo a ética?
Carlos Cirne-Lima – O Brasil vive hoje uma grande crise ética em suas instituições públicas. O remédio é mais ética, mais Filosofia.
Vya Estelar – Como o senhor avalia a forma como o povo brasileiro lida com a relação ética/política com base no resultado das últimas eleições?
Carlos Cirne-Lima – Quando muitas centenas de milhares de eleitores elegem um personagem sabidamente desonesto, podemos e devemos concluir que tais eleitores, se pudessem, roubariam de forma igual. O remédio, no fundo, é sempre o mesmo: mais ética para o próprio povo, mais ética na sociedade.
Vya Estelar – Em quais aspectos a filosofia se transformou?
Carlos Cirne-Lima – O caminho da Filosofia é sinuoso. Os gregos perguntaram pelo sentido do Universo, mas também pelo sentido do homem e da vida na *pólis. Os medievais perguntaram pelo sentido de Deus e das coisas por ele criadas, inclusive e principalmente do homem. A Filosofia Moderna, desde Descartes, pergunta pelo sentido do Eu. Há no caminho histórico da Filosofia um vai-e-vem entre objetividade e subjetividade tanto na pergunta quanto na resposta. A Filosofia Contemporânea na França discute tardiamente as idéias de Nietzsche. Nos outros países a Filosofia hoje é Filosofia Analítica da Linguagem. Os autores que penso ser os melhores acreditam que, descobrindo a gramática profunda da linguagem, terão em mãos a gramática do mundo. Os outros, numa postura a meu ver negativista, se contentam em analisar a linguagem e tão somente ela.
Vya Estelar – Como explicar em poucas linhas o que é dialética para principiantes?
Carlos Cirne-Lima – Todo meu trabalho filosófico, inclusive no livro Dialética para Principiantes e no CD-rom Dialética para Todos, baseia-se na Filosofia de Platão e dos filósofos neoplatônicos, especialmente em Hegel. Numa primeira etapa procuro localizar os erros cometidos – e foram cometidos grandes erros tanto por Platão como por Hegel. Numa segunda etapa procuro, já corrigindo os erros identificados e localizados, reconstruir um sistema neoplatônico para o século XXI. Meu novo livro, o que está saindo agora da Editora, tem como título Depois de Hegel. Para dizer numa palavra a diferença entre os sistemas aristotélico-analíticos, que são atualmente a base de nossa cultura, e os sistemas dialéticos, basta apontar para um ponto. Nos sistemas analíticos há uma pluralidade de substâncias e as relações entre elas são meramente acidentais; assim, o social é algo meramente acidental. Para os sistemas dialéticos, a verdade é o todo e o Universo é uma única substância; nós somos apenas dobras desta substância única. Se, por exemplo, tirarmos de um homem todas suas relações, todos os seus amores e seus ódios, o que acontece? Para os analíticos permanece aquilo que é a parte mais importante do homem, a saber, sua substância; só os acidentes foram retirados e estes são, como o nome diz, pouco importantes. Para os dialéticos, se retiramos as relações, não sobra absolutamente nada, pois o homem é exatamente este nó entre as diversas relações.
Vya Estelar – Por que o CD-rom 'Dialética para Todos' levou sete anos para ser produzido?
Carlos Cirne-Lima – O CD-rom levou sete anos para ser produzido porque a tarefa era insana e os autores eram poucos. Maria Tomaselli, minha mulher, e Maurício Souza fizeram a captação das imagens, os desenhos, as animações, etc. Alípio Lippstein fez, sozinho, toda a programação digital. Carlos Dohrn, a música. Como não havia recursos para pagar os profissionais, eles fizeram tudo "no amor", isto é, por amor à Filosofia. Mesmo agora, com os recursos da Lei Rouanet, o pagamento dos profissionais é ridículo; não paga nem mesmo dois meses de trabalho. Assim, os quatro autores mencionados trabalhavam de dia em sua profissão e cada noite dedicavam três ou quatro horas para fazer o CD-rom. Não acredito que um CD-rom semelhante venha a ser produzido, pois a tarefa é gigantesca e exigiria recursos na ordem de vários milhões de reais.
Vya Estelar – O CD está muito bem produzido, o senhor já teve algum feedback, qual a sua expectativa junto às escolas?
Carlos Cirne-Lima – O CD foi distribuído por enquanto somente às escolas públicas do Rio Grande do Sul. Muitas escolas privadas adquiriram a versão comercial. A reação dos que se ocuparam com o CD tem sido extremamente positiva.
Vya Estelar – Qual é o fio condutor básico e o principal objetivo deste CD-rom?
Carlos Cirne-Lima – O fio básico do CD-rom é meu livro Dialética para Principiantes. O objetivo é propiciar aos jovens num suporte moderno as idéias centrais da Filosofia. Como a Filosofia voltou a ser matéria obrigatória nas escolas, há grande carência de material didático. O CD-rom, além de muito didático, fala a linguagem dos jovens com imagens, animações, etc.
Vya Estelar – Por que o senhor decidiu se tornar um filosofo?
Carlos Cirne-Lima – Para descobrir o sentido da vida e do Universo.
Vya Estelar – E qual seria este sentido?
Carlos Cirne-Lima – O sentido do universo fica claro pelo conjunto das perguntas respondidas e, aprofundando, para quem se aventurar a fuçar no CD. Não dá para deixar tudo mastigado demais, fica sem charme, então…
*Pólis – era o modelo das antigas cidades gregas
SERVIÇO:
Mais informações sobre o CD – clique aqui
O CD 'Dialética para Todos' é distribuido gratuitamente para o ensino público do Brasil
Para o ensino particular e interessados em geral há uma edição à venda no Studio Clio, www.studioclio.com.br