por Monica Aiub
Alguns jovens leitores escreveram relatando sua dificuldade em escolher seu caminho profissional, ou em situar-se no mundo do trabalho. Entre as questões levantadas: como escolher uma profissão diante de tantas alternativas? Como saber se a escolha é a mais adequada, considerando as necessidades de realização pessoal, profissional e financeira?
Como conciliar seus interesses, desejos e expectativas aos interesses, desejos e expectativas familiares ou sociais? Essas mesmas questões são, para alguns jovens, questões clínicas, que os movem a uma terapia.
“Quero fazer artes cênicas, mas meus pais querem que eu faça engenharia. Fico pensando se não têm razão. Será possível sobreviver no teatro hoje?”, questiona um partilhante (paciente). “Sou apaixonada por filosofia, mas não me vejo como professora. Mas também não me vejo fazendo outra coisa além de estudar. Acho que não há lugar para mim nesta sociedade.” – afirma outra partilhante. “Já comecei cinco faculdades diferentes e não consegui terminar nenhuma delas. Fico pensando: será que a vida é isso mesmo? Escolher qualquer coisa para sobreviver e passar a vida fazendo o que não gosta. Talvez encontrar algum prazer em atividades paralelas, se sobrar tempo para elas? Muita gente vive assim, mas acho que eu não consigo! Queria descobrir qual é o meu talento” – diz um terceiro partilhante.
Como um filósofo clínico aborda tais questões?
Em primeiro lugar, nosso trabalho consiste em identificar o que se passa com a pessoa. Supondo que o partilhante chegue ao consultório com a questão citada acima: “Já comecei cinco faculdades diferentes e não consegui terminar nenhuma delas. Fico pensando: será que a vida é isso mesmo? Escolher qualquer coisa para sobreviver e passar a vida fazendo o que não gosta. Talvez encontrar algum prazer em atividades paralelas, se sobrar tempo para elas? Muita gente vive assim, mas acho que eu não consigo! Queria descobrir qual é o meu talento”, iniciaremos com uma conversa sobre a questão. Em seguida, para contextualizá-la num campo maior da vida da pessoa, solicitaremos sua historicidade, ou seja, a forma como vivenciou os vários acontecimentos de sua história de vida.
Assim como quando encontramos uma questão proposta por um filósofo, isoladamente, separada de seu contexto, corremos o risco de compreendê-la inadequadamente; da mesma maneira, quando o partilhante traz sua questão, se não a contextualizamos no todo de sua historicidade, corremos o risco de interpretá-la equivocadamente.
Em filosofia, um problema tratado isoladamente, sem o cuidadoso estudo de sua gênese, é um problema tratado superficialmente, levianamente. Em filosofia clínica, da mesma maneira, se trabalhássemos a questão do partilhante sem estudar sua historicidade, nossa abordagem seria superficial e leviana, e qualquer encaminhamento derivado disso teria o mesmo valor que a mera opinião de um total desconhecido sobre as questões fundamentais de nossas vidas.
Ocorre que algumas pessoas consideram severamente tais opiniões, sendo capazes de definir suas escolhas através delas. Você já ouviu alguém dizendo que uma pessoa, que viu uma única vez em sua vida, disse-lhe algo que modificou completamente seu caminho? Ou que uma frase, lida num livro, ou citada em uma conversa, transformou sua existência?
Que isto se dê naturalmente em nossas relações, é compreensível; mas que um profissional, imbuído de uma fundamentação para seu trabalho, restrinja-se a meras e levianas opiniões acerca dos rumos da vida alheia, é, minimamente, temeroso e inaceitável.
Assim, enquanto o partilhante relata sua historicidade, o filósofo clínico acompanha atentamente, com um mínimo de interferências, e com uma postura fenomenológica (suspendendo seus juízos sobre a questão), a historicidade do partilhante. Seu objetivo, com esse procedimento inicial, é contextualizar a questão, compreender sua gênese, o que implica numa espécie de “visita” ao universo existencial do partilhante.
Ao mesmo tempo, o filósofo clínico observa os movimentos existentes nesse universo, sua composição, suas relações com o entorno, com os outros, suas maneiras de lidar com os problemas, suas formas de se posicionar no mundo… Enfim, todos os aspectos que se mostrarem relevantes. Além disso, entende o “jogo de linguagem” utilizado, o significado de cada afirmação, de cada termo, dentro do todo do discurso e deste nos diferentes contextos.
Com base nessa leitura, o filósofo clínico pontua algumas questões, levando a pessoa a observar aspectos importantes para seu processo, escolhidos a partir de critérios de relevância observados na historicidade daquela pessoa em especial. Não são esquecidas, obviamente, características dos contextos nos quais a pessoa esteja inserida, a fim de examinar, juntamente com ela, as condições de satisfação de suas crenças, desejos e intenções.
Assim, para compreender os motivos pelos quais o citado jovem iniciou cinco diferentes cursos e não conseguiu concluir nenhum deles, não é possível partir de teorias generalizadas, apontando para respostas universais. Faz-se necessário estudar, no caso dessa pessoa em especial, o que ocorreu. Para responder a questão sobre qual o talento da pessoa, não é preciso, necessariamente, recorrer a testes que apontem, de maneira genérica, a diferentes caminhos. É importante observar, na historicidade da pessoa, que tipo de atividade é compatível com seus modos de ser, pensar, sentir; o que é condizente com suas crenças, sonhos, desejos e intenções; quais as habilidades desenvolvidas, ou que necessitam de desenvolvimento, para o exercício de certas atividades e, principalmente, quais as disposições e possibilidades dessa pessoa em desenvolvê-las.
É preciso também examinar se o contexto do partilhante possui as condições para a realização de tais sonhos, desejos e intenções. Se essas não existirem, quais as possibilidades de intervenções em tais contextos para que elas possam ser construídas. Caso não existam tais possibilidades, haveria outros contextos nos quais ele poderia realizar suas buscas? Ou haveria a possibilidade de transformar suas buscas em algo possível sem seu contexto?
Esse exercício parece fácil de ser realizado. Contudo, exige profundos estudos e reflexões acerca de nossas questões e da organização do universo no qual estamos inseridos. É preciso também, e principalmente, o exercício de suspender nossos juízos, para que possamos pensar, junto com o outro, em possibilidades que talvez fossem inimagináveis a nós.
De que maneira você avalia as condições de realização de seus sonhos, desejos e intenções?