por Monica Aiub
A tristeza e a ansiedade podem alterar de forma notória a regulação dos hormônios sexuais, provocando não só mudanças no impulso sexual, mas também variações no ciclo menstrual. A perda de alguém que se ama profundamente, mais uma vez um estado de um processamento cerebral amplo, leva a uma depressão do sistema imunológico, a ponto de os indivíduos se tornarem mais propensos a infecções e, em consequência direta ou indireta, mais suscetíveis a desenvolver determinados tipos de câncer. Pode-se morrer de desgosto, tal qual na poesia. (DAMÁSIO, 1996).
Se os processos mentais interferem nos processos físicos a ponto de gerar doenças ou diminuir as defesas do organismo, esses mesmos processos poderiam aumentar tais defesas, evitando doenças, se bem empregados em tratamentos psicoterápicos? Se processos físicos geram processos mentais, alguns hábitos incorporados poderiam melhorar a capacidade de pensamento e avaliação das situações?
Como ocorrem essas interações? Temos algum domínio sobre elas? Elas possuem funções específicas? Existem formas de alterar suas funções? Como medicamentos poderiam alterar estados mentais ou como estados mentais poderiam alterar estados físicos? Essas são algumas das questões que dependem de uma teoria da causação mental para serem respondidas.
Situações em que problemas de relacionamento geram dores de cabeça, dificuldades no trabalho resultam em crises de asma, vivências de rejeição levam a alterações nas taxas de lítio, ou depressões provocadas por anemia, ausência de vontade de viver resultante de distúrbios na tireoide, medos advindos de excesso de adrenalina produzidos pelo organismo denotam uma inter-relação entre o mental e o físico.
Opções
Os profissionais que trabalham com essas questões delimitam as escolhas dos tratamentos de acordo com as teorias que fundamentam suas atividades.
Alguns trabalham exclusivamente com medicamentos, atingindo os processos bioquímicos de seus pacientes, mas negligenciando aspectos que talvez causem tais processos, aspectos que lhes escapam dada a opção do tratamento; outros arriscam trabalhar exclusivamente com psicoterapia, negligenciando aspectos bioquímicos; e ainda outros, lançam mão de ambas alternativas de tratamento, atingindo efeitos e causas físicas e mentais ao mesmo tempo.
Se há relações e interferências entre o mental e o físico, se processos físicos poderiam ter gerado a mente, se esta poderia retroagir sobre o físico, são assuntos abordados na temática causação mental que, juntamente com as questões: consciência, subjetividade e intencionalidade, ocupa os filósofos da mente.
Ao pensar sobre os processos psíquicos e orgânicos surge uma primeira dificuldade: a ausência de uma teoria que ofereça uma explicação para o problema mente-cérebro. O problema mente-cérebro não se refere apenas a como o cérebro produz estados mentais, mas também, como o mental interfere no funcionamento cerebral e no corpo. É a chamada causação mental.
Existem sistemas na natureza que apresentam relações de causação ascendente e descendente. As partes produzem o todo e o todo retroage sobre as partes. Se o funcionamento cerebral é capaz de produzir o mental (causação ascendente), esse mental pode retroagir sobre o cérebro (causação descendente). Isso explicaria como um significado, ou uma ressignificação, poderia afetar o cérebro e o corpo. Fármacos e psicoterapias atuam sobre causas ascendentes e descendentes.
O problema mente-cérebro, no formato proposto por Descartes (1641), considerou mente e corpo como substâncias diferentes, interligadas pela glândula pineal. O corpo, res (coisa) extensa (material), uma substância divisível em partes mecânicas; e a mente, res cogitans (coisa pensante), indivisível e independente, ambas com existências distintas.
Mente e corpo
Essa ideia de uma mente independente de um corpo afastou a medicina da abordagem orgânica mente-corpo, predominante desde Hipócrates, tornando a prática e a investigação médicas fundamentadas no princípio cartesiano (que separa corpo e mente), ignorando e negligenciando, durante muito tempo, as consequências psicológicas das doenças, assim como os efeitos dos conflitos psicológicos no corpo.
Sua dedicação à compreensão da fisiologia e da patologia do corpo, relegando a mente a um segundo plano, ainda que exceções devam ser consideradas, implicou numa crescente tendência a tratar quaisquer tipos de sofrimento, inclusive os de ordem psíquica, com drogas.
Se a causa de uma doença seria advinda de uma interação entre o psiquismo individual e as circunstâncias da vida e do meio, entre a história passada e o momento vivido, e se seu mecanismo poderia ser explicado pela descrição dos aspectos fisiológicos e patológicos, o uso de fármacos atingiria apenas o mecanismo bioquímico, controlando o quadro, mas não atingindo a causa, e, portanto, arriscando a tornar seus procedimentos meros paliativos. Em alguns casos, os medicamentos agiriam como anestésicos, aliviando a dor momentânea. Essa dor talvez fosse o estímulo para buscar a “cura”, o analgésico poderia desestimular tal busca.
Em muitos casos, o uso de medicamentos associado à psicoterapia atingiria uma dupla causalidade, ou causalidade mista, com resultados que agiriam sobre mente-corpo em sua causalidade ascendente e descendente. Essa dupla causalidade, uma vez trabalhada adequadamente, poderia trazer resultados mais significativos, por atuar sobre possíveis causas em constante interação.
Visão cartesiana
Para isso, necessitar-se-ia, inicialmente, abandonar a visão cartesiana, que separa mente-corpo, e aceitar uma visão que permitisse compreender não apenas a interação mente-cérebro, mas uma interação mente-cérebro-corpo-mundo.
Embora Descartes possa ser considerado como “tetravô” da psicossomática, que aceita as interferências do mental no físico, as implicações da opção do dualismo levaram a medicina e a psicologia a considerarem o corpo (res extensa) como objeto da ciência, e portanto, seu objeto de estudo; e a mente, objeto da religião, da filosofia, e, portanto, negligenciada.
Os resultados da postura cartesiana aparecem, embora de forma implícita, nas atuais explicações que tratam a mente como um software e o corpo como hardware, ou nas que explicariam a relação mente-cérebro sem recorrer à neurobiologia, ou ainda naquelas que explicam a mente por fenômenos cerebrais, deixando de lado todo o organismo e o ambiente físico e social.
A opção por uma explicação para a questão mente-cérebro que considerasse a mente como emergente dos processos funcionais cerebrais, que considerasse o cérebro e o corpo como um organismo em constante interação com o ambiente, que aceitasse a causação, tanto ascendente quanto descendente, poderia levar a uma opção terapêutica que tomasse não somente o corpo como objeto de estudo, mas esse todo mente-cérebro-corpo-mundo, considerando, inclusive, os contextos e circunstâncias, assim como os aspectos neurobiológicos.
Desta forma, a compreensão da questão mente-cérebro e a justificação para uma opção terapêutica não poderiam ser dissociadas. O estudo da causação mental poderia proporcionar a interação entre as várias áreas que estudam a questão do psiquismo, e com isso priorizar um trabalho terapêutico que considere esse todo.