por Renato Miranda
Conforme prometido no texto anterior – Por que se tornar um campeão é para poucos? (veja aqui), dou sequência ao mesmo, expondo relatos de atletas campeões sobre condições de seu estado mental em suas performances.
“Estou totalmente satisfeito com meu rendimento; Sinto-me concentrado na tarefa; Tudo está conectado; Não estou fazendo força para ir rápido; Será difícil me parar hoje; Sinto-me flutuando, leve; Tudo está controlado; Sinto-me muito confiante; Hoje é meu dia.”
Perceba agora a cena descrita por Christopher Hilton no livro AYRTON SENNA: A FACE DE UM GÊNIO, baseada no depoimento do ex-piloto de fórmula 1, John Watson em 1985 quando viu de perto, na pista, o até então iniciante piloto de fórmula 1, Ayrton Senna, guinando ferozmente sua Lotus em um treino de classificação em Brands Hatch (Inglaterra):
[…] Ayrton veio por dentro, eu deixei espaço para ele e testemunhei visível e auditivamente uma coisa que nunca tinha visto ninguém fazer antes num carro de corrida. […] e o carro parecia num fio de navalha entre o controle e o descontrole. Tudo isso durou talvez dois segundos. […] O carro mergulhou com uma arrogância que fez meus olhos se arregalarem. […] Nunca tinha visto um carro turbo pilotado daquele jeito. Habilidade do cérebro de separar cada componente e juntá-los novamente com aquele ritmo e coordenação.
Perceba também o que Gustavo Kuerten (Guga), afirmou quando de seu aquecimento na quadra de jogo, ao enfrentar pelas quartas de final de Roland Garros em 1997 (o primeiro título de Guga no torneio que ele viria a ser tricampeão) o russo Yevgeny Kafelnikov:
“Comecei a me aquecer em quadra batendo bola com Kafelnikov em meio a um turbilhão emocional, tentando domar nervosismo e ansiedade, eletricidade e adrenalina, excitação e frio na barriga e mais dezenas de sensações desencontradas. ‘Tem um jeito, sei que tem, precisa ter, vou conseguir’, não parava de repetir para mim a cada raquetada. Com bola pra cá e bola pra lá, deixei de ouvir os torcedores. Depois parei de enxergar o Zé Neto e Jorge Salked. Olhei para o Rafa e não o vi mais. Nem Larri estava presente. Tudo e todos sumiram de vista. Restou apenas Kafelnikov do outro lado da rede, a bola indo e vindo e eu entrando no jogo de corpo e alma.” (extraído do livro Guga – um brasileiro)
Nesses depoimentos estão contidos “traços” do estado mental que Csikszentmihalyi denominou de Fluidez ou Fluxo (Flow-feeling). Ou seja, para desempenhos de alto nível a complexidade das ações é tão alta que somente em um estado mental e emocional controlados, em que as percepções e sentimentos são sofisticados, o atleta obterá êxitos.
Neste estado (Fluxo!), segundo Csikszentmihalyi, a consciência é controlada e o atleta usufrui ao máximo sua energia positivamente. Há identificação de esforços produtivos e motivados associados às várias emoções relacionadas a comportamentos positivos e funcionais.
No estado mental de fluidez a concentração e o envolvimento são tão intensos que o atleta não percebe seu corpo separado da ação. Como se ação e atleta fosse uma única coisa.
Mesmo que a situação esportiva se apresente como algo complexo e com um alto grau de exigência emocional, como tensões, pressões, ansiedade e outras o atleta em estado de fluidez consegue “colocar as coisas em ordem” e equaciona seus pensamentos e emoções plenamente a fim de realizar tarefas de alta complexidade.
Portanto, para se obter condições favoráveis com o propósito de altos desempenhos é primoroso investir nos treinamentos e novos aprendizados com o intuito de desenvolver habilidades (físicas e psicológicas) e consequentemente favorecer o envolvimento. Assim o estado mental da fluidez poderá ser atingido!
Para avançar e projetar altos desempenhos é fundamental que o atleta “mergulhe” nas atividades que envolvem seu esporte. Do mesmo modo ao fluir a experiência de treinar e competir se tornará tão agradável que nada parecerá mais importante. Sendo assim, o atleta estará disposto a se empenhar ao máximo e o tempo que for necessário.
Decorre então que encontrar um “canal para o fluxo” é uma excelente estratégia para oportunizar a melhoria do desempenho, pois assim, fluindo, o atleta terá possibilidades concretas de mobilizar suas energias físicas, mentais e emocionais para uma atuação concreta e coerente com as exigências de seus desafios.
Em outras palavras, o atleta desenvolverá habilidades psicofísicas elevadas e compatíveis com os desafios apresentados e apresentará um desempenho sem dúvidas na atuação, sem tédio ou ansiedade excessiva. Pelo contrário, apresentará controle das situações, segurança no comportamento e um ótimo nível de concentração e motivação.
A importância do fluxo não se resume na melhoria do desempenho, mas sobretudo por tornar o momento presente do atleta mais agradável, providencia autoconfiança, percepção de autocontrole, favorece o envolvimento e a satisfação. Em consequência, a rotina de dedicação e esforço do atleta não será aborrecedora e capacitará o atleta a administrar e conviver melhor com as pressões e demandas características do esporte.
Ademais, ao fluir o atleta desenvolve sensivelmente sua capacidade de controlar a consciência (centrar a mente a fim envolver-se completamente na ação não dando espaço para dúvidas e incertezas no enfrentamento de qualquer desafio!) para usufruir completamente sua energia de maneira positiva.
Em última análise o atleta ao fluir enfrentará sua dura jornada com força mental e terá muitas possibilidades para se divertir!