por Regina Wielenska
Quase todas as semanas recebo trabalhos e relatórios de alunos para correção. Sou psicóloga, este é o tema que permeia minha vida como docente universitária.
Cada pessoa iniciou seu curso com um nível próprio de habilidades e conhecimento. Iniciadas as aulas, o aluno caminhará em seu ritmo, mas nessa fase já tenho como influir sobre o processo, por meio de indicações de leituras, exercícios, aulas e conversas adicionais. Além do que, há metas a serem alcançadas para se considerar que efetivamente fomos educativos nas ações propostas.
No feedback sobre um trabalho reside uma das fontes de influência de um professor sobre a aprendizagem. Certa vez uma amiga me contou, desalentada, que a escola pública onde o neto estudava “exigia lição”, e que a professora passava visto em cada trabalho realizado. Detalhe: era apenas uma garatuja da professora, no cabeçalho. Independente do que aluno houvesse efetivamente feito, bastava haver algo escrito e o visto lhe era dado. Perguntei-lhe que consequência era prevista para lições não entregues ou para a qualidade insuficiente. Nenhuma. Se no bimestre não houvesse entrega, e ocorresse dos pais ou responsáveis irem à reunião de pais e mestres, somente então seriam comunicados do fato e solicitados a colaborarem no engajamento da criança para cumprimento da lição.
Existe um monte de arbitrariedades e uma ausência de qualquer preocupação em ouvir o aluno, motivá-lo para se engajar no processo e ensiná-lo com efetividade. A avó da criança, pessoa pouco estudada e absolutamente inteligente, comentou comigo: “Desde quando um visto serve pra ensinar? A lição do menino estava uma mixórdia, mais erro que acerto, e nada aconteceu. Fui conversar com meu neto, ele respondeu que não adiantava fazer lição porque ninguém ia mesmo olhar…”.
Tarefas do docente na hora da correção
Cabe ao professor se envolver com o material apresentado, dar atenção diferencial a trechos que pareçam bons e aos que apresentam problemas. Quanto aos acertos, buscar valorizá-los, frente aos erros, descobrir o que falta aprender, ou que outras razões levaram a alguma falha ou omissão do aluno. Dispor de condições de ensino é obrigação de professor, pessoa treinada para isso e, por vezes, paga para realizar um trabalho de qualidade. Claro que me refiro a condições ideais de ensino e não sou uma Maria Antonieta alienada que desconhece as condições usualmente precárias do ensino no Brasil e das agruras de alunos e professores para sobreviverem em meio à miséria, escassez de recursos e violência urbana.
Hoje em dia existe uma indústria florescente de trabalhos acadêmicos sob encomenda e também de cópias deslavadas de artigos publicados na web, são produtos intelectuais de alunos que os realizam unicamente com na base nas funções “copia e cola” dos processadores de texto de computadores, um tipo de plagio (quando a autoria original não recebeu os devidos créditos) ou um trabalho mecânico, sem articulação entre diferentes ideias que são apresentadas no trabalho. Descobrir a ocorrência dessas fraudes acidentais ou deliberadas e, para cada caso, tomar medidas justas e efetivas é um esforço danado do professor.
Em um trabalho ou lição de casa me comporto de modo similar ao do crítico de gastronomia. Presto atenção ao prato, seu visual, a composição dos elementos, o modo como foram processados e apresentados, a coerência interna entre seus constituintes e sua adequação, quando comparada ao que foi solicitado (pelo cliente do restaurante ou pelo professor). Neste sentido o conteúdo tem prioridade, mas fico atenta à redação, à qualidade do texto. Alguns poderiam me dizer ”Qual sua razão de atentar para o texto se teu objetivo é ensinar Psicologia?”. Acontece que a maneira como o aluno se expressa, na forma escrita ou oral, para mim ou para seu cliente (no caso da prática da psicoterapia), pode fazer toda a diferença. Tal como uma loja com ótimos produtos mas com vitrine descuidada, uma expressão clara, precisa, ajustada ao ouvinte, denota competências desejáveis num profissional.
Desse modo, nada mais justo do que estimular a escolha certa de palavras, a pontuação, o encadeamento de ideias e outros aspectos de um trabalho escrito. Um episódio interessante pode ilustrar meu argumento. Um amigo me contou que decidiu mudar de nutricionista logo na consulta inicial, assim que ele notou que no prontuário ela escrevera “ancioso”, com a letra c. Meu amigo se autodescrevera como ansioso e achou que a profissional acabara de perder credibilidade na hora do erro.
Um cuidado que procuro tomar é ter um critério móvel de avaliação dos alunos, fico mais rigorosa na medida em que o curso progride, busco incentivar o progresso, sinalizar um maior número de sutilezas, fornecer dica adicional, cobrar os desempenhos já trabalhados em sala.
Se escolheu ser professor, assuma as consequências!
Conversando com uma colega professora, também preocupada com a formação de seus alunos, comentamos que a correção talvez leve tanto tempo quanto a execução do trabalho, mas que se abraçamos a carreira, assim consideramos justo nos comportar. Nunca esqueço quando alunos me disseram: "Você é uma professora com quem não dá para fazer um trabalho qualquer, você vai ler tudo, saber se coloquei uma “pegadinha” no texto para testá-la".
Não é bem assim, mas se deixo de ler tantas páginas aviso explicitamente ao aluno que, por falta de condições naquele dia, deixei de corrigir tais e tais páginas.
Trata-se, certamente, de um esforço danado do professor lidar com tantos aspectos, mas os resultados são muito gratificantes e nunca me arrependi da decisão de lecionar e de dar feedbacks coerentes e precisos para os esforços dos alunos. Comportamento acadêmico só se mantém se for consequenciado de modo preciso e imediato, esse é meu lema. Pena que eu cometa equívocos, mas aí é a vez dos alunos de me passarem o feedback de que há algo a melhorar.