por Roberto Goldkorn
Nos meus momentos mais xiitas cheguei a discutir sobre as desvantagens da alimentação carnívora durante um churrasco, e pior ainda, com um convidado que ganhava a vida sendo gerente de uma das maiores churrascarias de São Paulo. Resultado: meus amigos não me convidaram mais, e ganhei a etiqueta de “chato”, e inconveniente. Alguns de vocês podem dizer com ironia: Mas que diabos o Roberto que não come carne ia fazer no churrasco? Ia pela companhia, pelas risadas, pela comida que a dona da casa sempre fazia e que podia ser selecionada sem carne, ia para não ficar isolado ou isolar a minha família.
Depois de mais de vinte anos sem comer carne vermelha fui vencido por uma conspiração de fatores, um deles a anemia de uma de minhas filhas e a recomendação médica de que comesse carne vermelha. Sinceramente eu gosto de carne. Mas sei que não é um bom alimento, e os argumentos a seu favor são a meu ver cada vez menos relevantes e mais facciosos.
Um famoso médico proctologista que consultei há muitos anos, me confessou: sei que o câncer de cólon é mais comum em indivíduos e populações com alto consumo de carne, mas o que fazer? Não tem jeito não há como substituir a carne. Ainda ensaiei uma breve contra-argumentação, mas ele tinha outros pacientes para atender. Outro médico declarou na TV que o fato de termos caninos salientes é uma prova biológica de que somos naturalmente carnívoros. Por mais que eu queira comparar os meus “caninos” com os do meu cachorro, ou do gato da vizinha não consigo ver uma semelhança tão clara. Quando observo um tigre ou um leão então…
Posso até admitir que biologicamente o homem é um animal onívoro, ou seja come de tudo e talvez só tenha sobrevivido como espécie por causa dessa versatilidade alimentar. Porém, os recursos à nossa disposição na era moderna não nos atrelam a esse fatalismo da carne. Não nego que o carnivorismo criou uma verdadeira e poderosíssima cultura da carne, da mesma forma que existe uma cultura da cerveja e que isso é muito difícil de derrubar. Essa cultura é alimentada pela indolência, pelo comodismo alimentar, que se contenta em repetir as receitas herdadas da mãe, da avó, etc.
Mas não sou vegetariano da ala radical, e continuo achando que devemos comer de tudo ou quase tudo. Em minha opinião o problema está não no consumo ocasional de carne, e sim na necessidade de comer carne, de querer que haja carne vermelha todos os dias sobre a mesa.
Vampiro light
Quando você diz: “Eu preciso de carne”, aí sim temos um problema. A energia do sangue contida na carne vermelha e a sua semelhança vibratória com o nosso organismo saciam uma carência “vampiresca” de quem precisa da carne. É o que chamo de “vampiro light”.
Mas para satisfazer o apetite desses doces vampiros todos vamos pagar um preço extremamente alto, e não me refiro só aos aspectos nutricionais. Um grande amigo resolveu montar uma “beneficiadora” de arroz no sul do Pará. Não aguentou. Ele ficava horrorizado com o ritmo e a truculência do desmatamento na região. Contou-me que dois tratores gigantescos com uma enorme corrente entre eles iam pela mata arrastando tudo que estava pela frente, da manhã à noite, sete dias por semana, trinta dias por mês. Ele disse que o som da madeira sendo quebrada e tombada era assustador. Para que faziam isso: para colocar pasto ou para plantar soja, que seria usada em grande parte para alimentar o gado. Fora o fato de que essa devastação se dava em terras da União, ou em reservas; os tratores não se detinham diante de nada. Essa é uma atitude devoradora e bem carnívora.
E tem mais: a população de bovinos já ultrapassou a população humana no Brasil, e os gases que eles emitem (superpuns bovinos), já correspondem a 18% das emissões que causam efeito estufa (dados da ONU), ou seja, mais do que o malefício causado pelos automóveis. Isso significa que o seu churrasco de fim de semana, a inocente picanha envolta no sal grosso está dando uma contribuição efetiva para destruir a floresta amazônica, e para aumentar a concentração de carbono na atmosfera. Não vou nem falar dos antibióticos que o gado recebe e que acabamos por ingerir tornando certas bactérias resistentes ao tratamento.
Poderia também usar argumentos de ordem espiritual para dizer o quanto a necessidade da carne pode ser um fator perturbador para as camadas mais sutis do seu ser, mas muitos veriam nisso uma excentricidade, uma esquisitice de maluco beleza. Como disse antes, não sou vegetariano, e não advogo a sua causa, eles têm argumentos bem sólidos e sabem se virar sozinhos. Mas para mim, basta saber que a cultura da carne está sendo responsável por um mal maior, planetário, para associá-la à uma prática nefasta que deve ser combatida. Não vou promover uma passeata na Av. Paulista ou tentar abraçar a Lagoa Rodrigo de Freitas, mas na minha casa, já está decidido, a carne vai voltar a ficar mais fraca mesmo.