por Edson Toledo
Pouca gente sabe que Sigmund Freud iniciou sua carreira como neurocientista, pesquisando na área de neuroanatomia, e como neurologista, no Hospital Geral de Viena, trabalhando nos laboratórios do fisiologista Ernst Brüche e do neuroanatomista e psiquiatra Theodor Meynert.
Freud escreveu monografias sobre síndromes neuropsicológicas como afasia (deterioração da função da linguagem falada e escrita) e paralisia cerebral infantil antes de desenvolver a psicanálise.
Em 1895, Freud escreveu um livro sobre neuropsicologia, o “Projeto para uma psicologia científica”, que consistia de uma teoria geral sobre o funcionamento psíquico humano normal e patológico. Ele se esforçou para tentar tornar a psicologia uma ciência natural e utilizou linguagem da rudimentar neurologia daquela época nesse trabalho. Vale lembrar que naquela época o conhecimento sobre o cérebro e seu funcionamento ainda engatinhava. Para se ter uma ideia, a anatomia dos neurônios havia sido descrita poucos anos antes e ainda era uma descoberta muito recente e controvertida.
A neuropsicologia construída por Freud no Projeto não tinha base empírica e era baseada em um conjunto de hipóteses altamente especulativas. E talvez essa tenha sido a razão pela qual o criador da psicanálise tenha decidido não publicar o trabalho. O “Projeto para uma psicologia cientifica” só foi publicado 12 anos após sua morte.
Apesar do precário conhecimento do cérebro disponível na época, o Projeto apresenta hipóteses que anteciparam descobertas posteriores, como a antevisão de mecanismos de facilitação da transmissão da energia nervosa na formação das memórias e o que Freud denominou “barreiras de contato” entre os neurônios. São intuições surpreendentes, se considerarmos que o londrino neurofisiologista e patologista Sir Charles Sherrington descreveu a sinapse (ligação entre os neurônios) dois anos depois do Projeto, em 1897, e que somente bem mais tarde os mecanismos de memória foram descritos como facilitadores na transmissão sináptica. Foi só depois dos anos de 1970, que neurocientistas resgataram no Projeto conceitos que fornecem subsídios para aspectos de modelos em neuropsicologia cognitiva.
A importância do Projeto reside não só na clara disposição do criador da psicanálise em buscar nas neurociências o substrato para a compreensão da mente, mas também no fato de que as principais ideias de Freud estavam contidas, de forma embrionária, nesse seu trabalho inicial.
Alguns psicanalistas acreditam que só foi possível compreender os artigos metapsicológicos de Freud depois da publicação do Projeto.
A relevância do projeto para o entendimento da metapsicanálise* foi destacada por vários autores da literatura neuropsicanalítica**, que apontam a justaposição entre a teoria neuropsicológica proposta no Projeto e a teoria do aparelho psíquico, descrita no capítulo VII da obra de Freud de 1900, “A Interpretação dos Sonhos”.
O fato é que o pai da psicanálise sempre acreditou que os fenômenos mentais têm um substrato biológico, ideia defendida até o final de sua vida; e como você caro leitor pode perceber o tema é complexo, mas tudo bem: Freud explica!
* A metapsicologia freudiana traz os princípios, os modelos teóricos e os conceitos fundamentais da clinica psicanalítica. É um método de abordagem de acordo om o qual todo processo mental é considerado em relação com três coordenadas: dinâmica, topográfica e econômica.
** A neuropsicanálise é um movimento dentro da neurociência e da psicanálise para combinar os conhecimentos e compreensão da mente e do cérebro.