por Danilo Baltieri
"Fui vítima do “boa noite cinderela” e roubaram a minha casa. Sinto-me culpado por não me lembrar de quase nada. É normal não se lembrar de nada?"
Resposta: Algumas substâncias psicoativas têm sido utilizadas por pessoas mal intencionadas com a finalidade de tornar uma vítima totalmente incapaz de oferecer resistência.
Tais substâncias recebem o nome popular de “knock-out drugs” e “rape drugs”, quando são utilizadas para o golpe também popularmente conhecido como “boa noite cinderela”. Essas substâncias são muito amiúde colocadas nas bebidas das vítimas e, portanto, quanto mais insípidas, inodoras e incolores as drogas forem, menos as vítimas reconhecerão quaisquer problemas com suas bebidas e mais provável será o êxito dos agressores.
De fato, a utilização de drogas por ofensores que objetivam agredir sexualmente uma pessoa e/ou mesmo roubar seus pertences, não é um fenômeno recente, mas uma prática que tem ocorrido há muito tempo, através do uso das seguintes substâncias: álcool, barbituratos, escopolamina, hidrato de cloral (Mickey Finn).
Versam jornais de Chicago de 1903 que o gerente do bar Lone Star, Michael (Mickey) Finn servia a alguns clientes bebidas alcoólicas contendo a substância depressora conhecida como hidrato de cloral, com a finalidade de deixá-las sonolentas, incapazes de resistir a qualquer investida de outrem e presas fáceis de quaisquer procedimentos ilícitos, como roubo.
Com o tempo, novas substâncias têm surgido com maior ou menor potencial de indução de quadros de sonolência, amnésia durante o período de intoxicação, relaxamento dos músculos esqueléticos e prejuízos da senso-percepção.
Em 1999, pesquisadores já identificavam mais de 20 diferentes substâncias utilizadas para concretizar esse golpe, sendo a mais comum o próprio álcool etílico. Um estudo realizado em 2000 (Slaughter, 2000) demonstrou que 2/3 das vítimas desse golpe tinham ingerido álcool com outras drogas, especialmente maconha. Logo, muitos desses golpes ocorrem em bares ou festas, onde a vítima está já fazendo uso de bebidas alcoólicas pelo menos.
Um outro estudo (Hurley et al., 2006) revelou que 77% das alegadas vítimas tinham consumido bebidas alcoólicas poucas horas antes da ofensa, enquanto quase 50% estavam em uso de medicações prescritas e 26% faziam uso intencional de substâncias ilícitas, como maconha ou cocaína.
Os autores concluem que vítimas usuárias de álcool e outras drogas podem constituir um grupo de maior vulnerabilidade ao golpe. De outra forma, essas vítimas poderiam estar sujeitas a um maior nível de agressividade durante os atos ofensivos.
De uma forma geral, perpetradores desse golpe pretendem:
a) produzir sedação na vítima;
b) alterar o comportamento da vítima, afim de torná-la menos responsiva;
c) induzir amnésia para o momento da intoxicação e para momentos anteriores ao evento;
d) criar um estado de completa vulnerabilidade na vítima, objetivando explorá-la em todos os aspectos possíveis.
As vítimas do golpe comumente referem os seguintes sinais/sintomas, após o evento ilícito:
a) tonturas;
b) náuseas;
c) perturbação da memória para o evento e para momentos anteriores ao evento;
d) “moleza”, tônus muscular reduzido.
A amnésia é mais frequentemente referida, quando as substâncias álcool, benzodiazepínicos (flunitrazepam, midazolam, diazepam, lexotam, alprazolam) e GHB (ácido gama-hidroxi-butírico) foram utilizadas.
Abaixo, recomendo a leitura do seguinte manuscrito:
Hall JA, Moore CB. Drug facilitated sexual assault–a review. Journal of forensic and legal medicine. 2008;15(5):291-7.