Fuja do alto teor de sódio e aprenda a fazer caldos caseiros

por Rosa Fonseca

Diante de prateleiras cheias de temperos é difícil aceitar que o Descobrimento da América tenha sido impulsionado pela busca de especiarias. É estranho imaginar que, um dia, sal tenha sido a mais valiosa moeda e mais estranho ainda pensar na culinária sem sal. Como a humanidade dava sabor à comida antes da popularização dos temperos?

Continua após publicidade

Fogo, lenha, carvão, ferro e barro usados na cocção ajudaram muito a flavorizar (dar sabor) os alimentos. Mesmo sem tempero, carne na brasa é mais saborosa do que assada no fogão. Ervas frescas também asseguravam sabor aos que não podiam comprar tempero. Hoje, é senso comum que comida condimentada agrada ao gosto popular. Mas houve tempo em que a elite ‘tascava’ pimenta e camponeses usavam açafrão.

Um dia, percebeu-se que, juntando cebola, salsão e cenoura, obtém-se um sabor soberbo. Não se sabe onde e quando a descoberta ocorreu, mas diversos povos mediterrâneos desenvolveram formas de extrair daí um maravilhoso tempero.

Da Itália vem o sofrito, um refogado que leva uma medida de cebola bem picada para duas medidas de salsão fatiado e duas medidas de cenoura ralada, fritos em azeite no fogo baixo, mexendo até que fiquem bem corados. Uma variação o batuto, no qual se adiciona também cubinhos de toucinho. A partir daí, prepara-se quase tudo. Nós brasileiros, fazemos algo semelhante, já que é raro o prato que não comece com um refogado de cebola e alho. No próximo molho de tomate, use sofrito no lugar do refogadinho trivial.

Na culinária francesa, usa-se a água do cozimento desses legumes (chamada de fundo ou caldo) para cozinhar no lugar da água comum. Hoje, há diversas opções de caldos prontos, mas nenhum proporciona o aroma e sabor de um caldo verdadeiro. Teste e verá. E agora que sabe do que é feito, sugiro ver os ingredientes de um caldo industrializado.

Continua após publicidade

Mas, essa altura, o leitor está se perguntando: por que cebola, salsão e cenoura e não chuchu, abóbora e gengibre, por exemplo?

Porque, se mordermos uma cebola crua sem tempero, constataremos seu forte sabor ácido. Uma cenoura crua sem tempero é naturalmente doce e aipo ou salsão são salgadinhos (o nome salsão vem da raiz sal). Juntos, em proporção de metade de cebola para qualquer quantia de cenoura e salsão, há um equilíbrio perfeito de sabores.

Mas é possível variar. Gosto de enriquecer caldos com alho, ervas e talos de verduras. E já troquei o dulçor da cenoura por ervilha, cana e erva cidreira. Há receitas até com champignon e muitos restaurantes desenvolvem fundos exclusivos. Você pode alterar ou adicionar ingredientes até criar sua marca registrada!

Continua após publicidade

Só evite:

• tubérculos – o amido destrói a textura do caldo
• hortifrutis de coloração forte – imagina um caldo com beterraba? O mesmo vale para tomate, cebola roxa e folhas escuras.
• Itens com forte amargor – como endívia, alcachofra, boldo, agrião, radicchio, etc.

Como fazer?

– Use uma xícara de salsão e uma xícara de cenoura, para ½ de cebola. Se a cebola ardida, reduza a proporção.

– Para fazer caldo de carne ou peixe, use aparas e carcaças lavadas. Evite usar pele, escamas ou partes gordurosas, para não ficar viscoso. Para caldo de carne, uma sugestão é usar músculo; para caldo de frango, os ossos do peito; para caldo de peixe, a cabeça e espinha dorsal. 100 gr são suficientes. Se usar mais ou menos, apenas o sabor ficará mais ou menos evidente.

– Não é preciso perder tempo picando. Se tiver um processador, processe os legumes. Se não, só tire a casca da cebola. Não precisa descascar a cenoura ou tirar folhas do salsão. Lave e corte tudo em quatro, grosseiramente.

– Quando mais os legumes forem picados, mais rápido o caldo fica pronto, pois a superfície de contato com a água é maximizada. Mas a única diferença de não picar é deixar a panela mais tempo no fogo.

– Coloque os legumes em um tacho fundo com as ervas que quiser.

– Cubra com um litro de água fria e leve a panela ao lume baixo. O líquido não deve borbulhar intensamente. Se isso precisar diminuir a potência do calor sobre o tacho, coloque uma assadeira entre a panela e a grelha.

– Cozinhe por ao menos 30 minutos. Quanto mais cozinhar, mais parte da água evaporará e mais concentrado ficará o seu caldo.

– Retire a espuma com uma colher, caso se forme sobre o caldo. Ela é resultado da concentração de impurezas, oriundas de cascas e caraças.

– Deixe a panela destampada. Alcoois e aldeídos volatilizam com o vapor que sai da panela. Se você tampar, eles ficarão retidos no tacho, gerando um caldo mais ácido.

– Não adicione sal. Deixe para salgar os pratos! Assim, não haverá problema em usar seu caldo com carne seca ou bacalhau.

– Ficou pronto? Descarte os sólidos e reserve o líquido. Sugiro por em forminhas de gelo. O caldo não estraga e fica sempre à mão. É só tirar um cubinho e usar.

Curiosidade

Antes de descartar, prove um pedaço da cebola cozida no caldo. Ela simplesmente não terá gosto. O seu sabor, cor, aroma e nutrientes passaram à água. Por isso nutricionistas recomendam o cozimento a vapor: porque parte dos nutrientes vai ralo abaixo. Quem tem panela a vapor sabe quão coloridos e gostosos ficam os alimentos. Se você não tem uma:

• Não largue os legumes na panela desde a fase em que a água está fria! Espere começar a fervura

• Cozinhe os legumes em fogo alto

• Prefira legumes ao dente

Conclusão: para cozer legumes use a técnica oposta à usada para fazer caldos e vice-versa. Pense se deseja mais sabor no alimento ou na água – e use isso a seu favor!