por Patricia Gebrim
Ah, se pudéssemos tomar uma pílula do esquecimento, esquecer todas as falsas verdades nas quais passamos a acreditar, se pudéssemos olhar para tudo – para o mundo, para a vida, para as pessoas – apenas com os olhos de nosso coração, quanta transformação seríamos capazes de fazer acontecer.
Porque o que fazemos é olhar para tudo com olhos viciados, turvos e distorcidos, olhos que adquirimos antes mesmo de saber que nos caberia enxergar. Olhos movidos a clichês, que nada mais fazem do que superficializar o sagrado.
Ah se soubéssemos… Existem em nós olhos mais sábios, olhos cheios de amor, que funcionam melhor quando somos capazes de ouvir.
Quando os olhos funcionam em harmonia com os nossos ouvidos, nos tornamos curadores.
Uma pessoa chega a nós e nos conta algo que brota da profundeza de sua alma. Pode ser uma dor, um medo, uma dúvida que a inquieta durante a noite e esmaga com angústia a leveza de seu coração. E o que fazemos nós? Ao invés de apenas ouvir, ouvir a coisa como a coisa é, e trazer aquilo que ouvimos para dentro de nosso peito, com toda a suavidade, com os olhos fechados para que possamos sentir melhor, com a humilde delicadeza do nosso não saber, guiados pela compaixão gerada por nossas próprias dores…
Mas não, não ouvimos. Ao invés disso, tentamos logo encontrar uma resposta. Matamos a beleza do que poderia ser um encontro de almas. Trocamos essa possibilidade linda e curadora pela arrogância de logo querer nomear e nos apropriar de algo que não nos pertence.
Ouça, nós nunca sabemos de fato pelo que uma outra pessoa passou em sua vida. O que sentiu? Que experiências viveu? O quanto sofreu? Nós simplesmente não sabemos! Precisamos admitir isso, é a única forma de sermos justos.
Ao invés de, delicadamente, tatear, e tentar empaticamente compreender o quadro maior onde a pessoa se insere, simplesmente forçamos o que a pessoa nos disse para dentro de alguma de nossas caixinhas de crenças. Ao invés de pesquisar com a profundidade de um coração aberto, sacamos da gaveta de nossa mente uma teoria qualquer. Como um passe de mágica.
– Voilà!
Talvez a tenhamos lido em algum livro, ou alguém a tenha apresentado a nós em algum momento de nossas vidas, ou nem saibamos de onde aquilo tenha vindo. Mas… Ah, como nos sentimos poderosos acreditando poder organizar e nomear aqueles sentimentos aparentemente confusos que nos foram ofertados por quem sofria.
E friamente, sem aprofundamento, passamos a explicar e sugerir caminhos. É como se víssemos uma borboleta com a asa aparentemente quebrada, e para resolver o assunto a espetamos em um quadro e a dissecamos, provando que a asa de fato estava quebrada.
– E daí? Isso serviu para quê?
E é assim que seguimos pela vida, destruindo o caminho por onde passamos, deixando um rastro de injustiça e pessoas feridas, não vistas, abandonadas; sem nem mesmo perceber que é isso o que fazemos, tão encantados estamos com a nossa maravilhosa capacidade de saber das coisas.
Ouça bem. Tudo o que você sabe é um clichê, a não ser que uma sabedoria verdadeira brote da sua humildade em de fato ouvir ao outro, com um coração aberto, ausência de crenças e olhos fechados, para que possa de fato enxergar.
Se não for capaz de fazer isso, por favor, não diga nada. Não tente ajudar.
Apenas ouça e ofereça seu abraço que, acredite, tem mais poder para curar do que palavras desprovidas de ouvidos.