por Rafael Castino
Cerca de 82% da população nacional entre 13 e 59 anos joga algum tipo de game nas mais diversas plataformas
Sejam celebrados ou demonizados, os videogames ocupam um tempo considerável da rotina de adeptos de todas as idades. Mas o que a ciência diz a respeito deles?
Os estudos são inúmeros, avaliando desde consequências sociais até físicas e psicológicas – sejam positivas ou prejudiciais.
O psicólogo Gabriel Arantes Tiraboschi pesquisou uma questão específica: poderiam os videogames auxiliarem no enriquecimento cognitivo?
Em seu mestrado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, Tiraboschi investigou o tema no caso dos jogos digitais do gênero ação. “Games de ação são aqueles com ritmo frenético, cenários tridimensionais complexos, movimentação rápida, múltiplos alvos, alta demanda de processamento periférico da visão, ações acuradas e um tumulto visual junto à necessidade de o jogador constantemente alternar entre uma atenção altamente focada e diluída no espaço”, explica o pesquisador. “São basicamente os jogos de tiro em primeira pessoa.”
Jogos como Counter Strike, Call of Duty e Battlefield foram selecionados para o estudo pelo fato de obrigarem os jogadores a navegar pelos cenários, rastreando diversos alvos simultaneamente, junto à tomada de decisões rápidas.
Testes
Os participantes da pesquisa foram submetidos a dois tipos de teste. No primeiro deles, que verificava o chamado limiar crítico de fusão da visão, os voluntários deveriam observar uma fonte luminosa piscante aumentando de frequência, e quando enxergassem tal luz de forma constante, deveriam pressionar um botão. A avaliação também foi feita de maneira inversa — de uma lâmpada estável a um brilho oscilante. O objetivo era avaliar limites e resoluções temporais da percepção visual.
No segundo experimento, conhecido como Attentional Blink Test (atenção intermitente), homens e mulheres eram submetidos a uma rápida sequência de letras na qual deveriam pronunciar o que estavam observando. “Geralmente, ao constatar uma letra, os avaliados não conseguem perceber a seguinte. A grosso modo, estávamos medindo quanto tempo uma pessoa demora para recuperar sua atenção visual.”
Passada a primeira etapa, 32 voluntários sem experiência com games do gênero foram divididos em quatro grupos diferentes: o primeiro treinaria com jogos de ação em uma alta resolução de vídeo — exibindo uma maior quantidade de quadros por segundos; o segundo jogaria o mesmo game, no entanto, em uma menor qualidade resolucional, o que tornava-o mais lento; o terceiro grupo experimentaria um jogo divergente do gênero ação — no caso, The Sims 3, um simulador; e os últimos não jogariam videogame durante os dez dias de experimento.
Após o período de verificação, o psicólogo e seu orientador submeteram novamente todos os participantes aos mesmos testes iniciais, a fim de comparar os resultados. A expectativa do pesquisador, baseando-se em estudos internacionais, seria de que o grupo que jogou videogame de ação iria ter uma resolução temporal da visão alterada, e que o “gargalo momentâneo atencional” seria menor.
A conclusão obtida, porém, foi que a percepção visual pelo limiar crítico de fusão (teste com a fonte luminosa piscante) não se alterou com a participação nos videogames de ação. No entanto, conta Tiraboschi, “no aspecto da atenção visual (Attentional Blink Test), obtivemos resultados marginais — houve uma pequena e curiosa melhora no grupo que jogou games de ação em menor resolução”.
Algumas hipóteses foram levantadas por ele para explicar o melhor desempenho após treinamento com um baixo número de quadros por segundo. Talvez o jogo fique mais difícil quando mais lento, o que obriga o usuário a executar maior esforço. Além disso, o grupo de menor resolução foi o único que evoluiu em sua pontuação dentro do jogo.
“Por algum motivo a resolução influencia nos resultados. Parece que quanto menor o número de frames por segundo, maior a aprendizagem daquele jogador, tanto em aspectos externos quanto dentro do próprio game”, comenta Gabriel. “Ainda não sabemos por que isto ocorre, é algo que queremos pesquisar e avaliar mais a fundo”, completa.
Transferência de aprendizagem
Muito se fala sobre o hábito de jogar xadrez deixar o praticante mais inteligente e, atualmente, aplicativos de celular e jogos de computador prometem tornar o usuário mais esperto, atencioso e com melhor memória. Tais atividades são capazes de tornar o jogador mais competente. No entanto, única e exclusivamente dentro do ambiente estipulado pelo game.
“Este é um problema da psicologia chamado especificidade de aprendizagem”, explica Gabriel Tiraboschi. “Nós dificilmente transferimos uma coisa que aprendemos em uma determinada tarefa para outros âmbitos. Não podemos falar que há um treino de atenção ou inteligência se este serve apenas em um teste ou jogo específico.”
Tal fato explica o motivo da realização dos chamados “experimentos reais”, antes e depois dos treinamentos de videogame no experimento realizado. A pesquisa estabelecida buscava melhorias não apenas no âmbito digital, mas sim, uma evolução singular do usuário na sua vida, em todos os contextos.
“A transferência de aprendizagem é o conceito-chave do projeto e de toda a área abordada. Quando conseguimos descobrir uma intervenção, algum tipo de atividade que promove uma transferência de aprendizagem e um enriquecimento cognitivo, isso é muito importante. Em se tratando de reabilitação, declínio e neuropatologias de seres humanos, onde há o acometimento de certas funções, tratar de transferência de aprendizagem é estabelecer uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas a partir de atividades distintas, talvez os videogames.”
A dissertação “Resolução temporal de videogames de ação e seus efeitos em tarefas visuais” teve orientação do professor Sergio Sheiji Fukusima, e pode ser acessada neste link.
Mais informações: e-mail gabrielarantest@usp.br, com Gabriel Arantes Tiraboschi
Fonte: Agência USP