por Luciana Ruffo – Psicóloga componente do NPPI
No texto anterior (clique aqui e leia), disse que … uma condição fundamental para entendermos como alguém pode se tornar dependente de internet ou dos games é termos alguma vivência pessoal nessa área…
Neste artigo, continuo o tema explicando o porquê de alguém se viciar.
Os vícios são um grande mistério para quem pretende cuidar de pessoas. A compulsão é algo que envolve muito mais do que uma simples explicação. Tenho a impressão de que ela passa por um emaranhado de fatores e para cada indivíduo ela pode ser determinada por um ou outro fator principal.
Bem, um fato parece inegável: Quem se vicia em internet tem por trás desse comportamento alguma motivação derivada da sua vida real (presencial). Algo que não está bem, que precisaria de atenção, mas que nesse momento, não pode ou não deve aparecer.
Aliás, essa é uma dinâmica presente em qualquer dependência. O vício serve como um “distrator” do fato real. Quando algo é um problema, mas sinto que não tenho recursos internos para lidar com essa questão, escolho (de forma inconsciente) uma compulsão como fator que se torna aparente para os que estão próximos de mim se aterem. Assim, não ‘mostro’, por exemplo, a minha dificuldade de relacionamento, mas sim o tempo em que passo na frente do micro.
Os jogos têm por característica o prazer da satisfação imediata. Quando se vence uma partida, a euforia da vitória e a ansiedade de conseguir viver aquela satisfação de novo tomam conta da pessoa e a levam a perseguir essa sensação de bem-estar. No universo dos vícios, químicos ou não, quanto mais rápido atinjo o prazer e menor o seu tempo de duração, mais persigo continuamente aquela sensação. Esse processo tem a ver com nosso sistema cerebral de recompensas para a sobrevivência da espécie. Ele lhe dá o prazer a fim de repetir um comportamento. O problema é que deturparmos o caminho e então vamos atrás dessa sensação onde ela nem sempre deveria existir.
Se há algo em minha vida que não está bem e entro em um jogo, onde encontro prazer rápido, não há como imaginar que não voltaria a repeti-lo. O bem-estar alcançado me leva a querer mais. O problema vem a seguir, quando não encontro mais o mesmo tipo de prazer ou a recompensa demora mais para chegar. Continuo perseguindo essa sensação e então começo a ter um comportamento destrutivo, cada vez mais repetindo aquele comportamento que me faz mal, pois acredito que logo mais aquela “sensação” desejada vai acontecer de novo.
Se me sinto como um Zé Ninguém no mundo real, mas no virtual sou o todo-poderoso, por que voltar para o real? Se no real tenho uma família problemática, poucos amigos, por que sair do virtual onde encontro pessoas que cuidam de mim e me tratam como irmãos? Aliás, é comum os graus de parentescos fazerem parte das regras de funcionamento em alguns desses jogos. Quando não há um grau de parentesco, ainda assim existem os grupos, que se ajudam, como na vida real.
Se você quer falar com um jogador, precisa entender o seu linguajar, as gírias, as brincadeiras próprias desse universo particular. Afinal não se vive mais o tempo todo no mesmo universo do cotidiano. Nessa condição, o jogador sente-se como alguém especial, pois domina dois mundos. É como falar vários idiomas.
Esse é um mundo que permanece ativo 24 horas por dia. Geralmente os melhores jogos são internacionais e se eu paro, ou durmo, alguém do outro lado pode roubar minha posição. Então, estar sempre disponível se faz necessário.
Geralmente, de inicio a família não se importa muito com o que essas pessoas fazem com seu tempo. Começam a perceber o problema muito tempo depois da situação já ter se instalado. No começo, tudo é tolerado e sempre se tem uma desculpa.
Uma vez, um casal de pais me procurou pedindo ajuda para o filho de 12 anos viciado em computador. Questionei por que não tiravam o computador do filho se percebiam que o menino se excedia, deixava de ir à escola. A resposta foi: “porque computador é coisa do futuro, quem sabe ele não fica rico com isso?”
Acho que fica claro que, nesse caso, o vício se mantém por causa deles também não é? Falta de regras e a dificuldade de se manter uma posição quando se escolhe um lado, fazem com que a pessoa que se vicia se torne mais “poderosa” sobre a família, virando um tirano, que manda e faz as regras sobre o tempo e o tipo de uso que fará. O medo da agressividade, ou de uma revolta costuma acentuar ainda mais essa posição e a manter o vício.
Até certa idade, acho que tudo passa pelo relacionamento familiar. O videogame é tido hoje como um ótimo meio de fazer os filhos ficarem quietos e ter sossego. E como funciona! São os minutos de paz que todo pai que trabalha fora e chega cansado gostaria de ter. Ele simplesmente deixa de ter trabalho com aquela criança. Pena que a criança percebe isso e se torna alienada ao mundo exterior, cada vez mais ligada em um mundo onde ela tem importância, se não para os pais, ao menos para os demais jogadores virtuais.
Aliás, não só crianças buscam atenção, não é mesmo? Adultos e crianças buscam compreensão, fugir dos problemas, não enfrentar conflitos, lidar com a timidez, entre tantas outras sortes de sentimentos que nos permeiam e que na sociedade de hoje são tão difíceis de se lidar.
* Vício: é o termo popularmente utilizado para os usos compulsivos dos computadores e das demais ferramentas derivadas das novas tecnologias. Como nos meios acadêmicos ainda se discute se esses usos podem ou não ser considerados vícios, esse termo será colocado entre aspas.