por Roberto Goldkorn
Quando me perguntavam sobre o que o meu genro fazia eu costumava dizer: “Ele mexe com computador”. Essa minha demonstração explícita de caipirice no fundo me deixava insatisfeito, pois refletia a minha ignorância sobre o universo virtual.
Aos poucos fui aprendendo com ele, com as minhas filhas, alguns conceitos e jargões dessa nova tribo. Isso que pelo menos me permitia uma frágil interface com esses seres estranhos. O tempo passou e o meu genro arranjou um emprego em São Paulo numa empresa de softwares. Alguns problemas aconteceram na gestão da empresa e eu fiquei preocupado com a possibilidade dele ser mandado embora. Mas essa preocupação era mais um capítulo da minha brutal desinformação sobre a cabeça e as extensões dessa geração do teclado, dos bits e realidades aumentadas. Ele me tranquilizou dizendo: “Não esquenta não, todo dia eu recebo de dez a quinze convites para trabalhar. Mas eu analiso as empresas e seleciono as que eu gosto, e vou deixando em stand by.” Eu pensei: Ele analisa as empresas! Não vai demorar, o tempo em que ele vai contratar as empresas onde vai trabalhar.” Essa é uma faceta da Geração Y. Mas o que gerou a Geração Y?
Quando eu era criança brincava de pique, jogava bolinha de gude, soltava pipa, jogava bola, atirava de atiradeira em latas e passarinhos. Convivia com galinhas, cavalos, tinha casa na árvore e passava mais tempo na rua que em casa. Traduzindo, eu vivia num mundo de absoluta concretude, embora a TV já começasse a fazer parte do meu dia a dia, pelo menos durantes quatro ou cinco horas por dia.
Os objetos do meu universo eram sólidos, tridimensionais e os conceitos de posicionamento, hierarquia, eram claras fronteiras não transponíveis. A realidade externa e a cultura plasmava um cérebro que por sua vez re-plasmava a realidade e assim caminhava a humanidade. Estávamos no final de uma era que desfilava diante de monumentos “eternos”, de verdades e conceitos “imexíveis”.
Mas a nova geração já estava começando a construir e destruir monumentos dentro de sua própria duração de vida. O efêmero começava a se instalar, e já se discutia a arte não como legado para o futuro mas sim como algo a ser consumido, digerido e excretado. Eu ignorei o aviso quando um guru me alertou: “Roberto o tempo do conteúdo está no fim. Vamos viver o tempo da forma.” Demorei a aceitar o fato de que o meu conhecimento cada vez valeria menos se eu não encontrasse uma embalagem adequada para otimizá-lo.
Não poderia imaginar nunca, nem nos meus mais insanos delírios, que um dia teríamos um Google que poderia nos trazer todas as respostas e informações do universo ao ritmo de um toque no teclado. Demorei dez longos e irrecuperáveis anos para ter computador, mas meus filhos já lhe eram íntimos quando ele chegou em casa. Foi muito difícil para mim, que tentava entender como ao clicar num local da tela podia abrir janelas diferentes, de onde vinham, onde estavam armazenadas, como podiam ocupar o mesmo espaço? Isso contrariava a física e a minha cabeça teimosa tentava entender sem sucesso. Minhas filhas, meus filhos e sobrinhos, hoje com vinte e tantos anos, nunca em momento algum tiveram estes questionamentos. Embora não tivessem a mínima ideia de como a “coisa” funcionava, isso parecia não incomodá-los. O importante era que sabiam lidar com a tal forma e não estavam nem aí para o recheio – o conteúdo que ainda era a minha causa perdida.
A mente desses jovens com espaço suficiente para movimentação de neurônios e um aplicativo para isso, ia devorando as inovações à medida em que aconteciam, sem se espantar, sem se apavorar, achando tudo a coisa mais normal do mundo. Eu sempre achei que se a quantidade de coisas com que lidássemos e não soubéssemos como funcionavam, fosse muito grande, a alienação nos tornaria zumbis. Engano, erro, mistake, bobagem! A Geração Y foi criada por nós da geração ABCD, com muitas facilidades e poucas limitações. Os Y tiveram sinal verde para lidar com o abstrato, para entrar nas portas abertas dos delírios que nós sessentões construímos ao aceitar as drogas modificadoras da mente, o som das guitarras e a liberdade sexual.
Mais que isso os jovens Y vieram para transitar numa sociedade com laços morais e éticos, hierarquias e tabus, muito mais frouxos, quase nada. Quando eu era menino fazia fila para entrar na sala de aula, e o professor era uma figura de autoridade quase absoluta. Um dia fui mandado de volta para casa porque a fivela de metal do meu cinto não estava devidamente polida. Meu pai mudava o canal de TV que eu estava assistindo sem me perguntar se podia, simplesmente mudava. A Geração Y veio sem essas rédeas morais e culturais muito curtas. Por isso tem esse enfado de fim de século XIX, esse spleen. Por isso também tem baixa resistência à frustração. Nós fomos criados na base do “Não e Pronto!”, mas nossos filhos e os filhos deles foram criados na base do “Peça o que quiser que seus desejos serão realizados!” Mesmo para os jovens das classes menos favorecidas, a TV e o controle remoto, o computador, o videogame, todos obedecem ao comando da ponta de seus dedos, eles não precisam disputar a bola com o zagueiros adversários.
Nossos pais matavam leões reais todos os dias. Nós matamos (ou éramos mortos) por leões metafóricos, mas não menos terríveis. Mas a Geração Y no máximo mata leões virtuais, quantas vezes eles aparecerem na tela, com a naturalidade de quem sempre fez isso desde o início dos tempos.
Para onde essa Geração Y vai levar o mundo? Ou para onde o mundo vai levar essa Geração Y?
Devo confessar que tenho muitos temores. Se pudéssemos reduzir esse conceito a uma simplicidade idiota, poderíamos dizer que a Geração Y se alimenta de eletricidade, está plugada na tomada. E se a tomada for desligada? Não pensem que estou tendo um delírio de galo velho diante dos galos novos que vem para assumir o galinheiro. Essa possibilidade é muito real. Terá a Geração Y capacidade de reprogramar seu cérebro assentado em virtualidades e logaritmos para voltar ao concreto e se salvar? Se os livros de papel acabarem e não houver por um tempo energia para carregar os i pads da vida, os nosso filhos e netos, conseguirão aprender, se informar?
A velha realidade não acabou porque a Geração Y está chegando ao comando. Ela vai continuar lá assimétrica, áspera, paralelepípeda, como um back-up planetário esperando para ser acionada se um dia o cristal líquido secar.