Gritar ou não gritar, eis a questão!

por Luís César Ebraico

Quando meu filho tinha dezoito anos de idade, perguntou-me:

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FILHO: — Papai, porque você nunca grita com as pessoas?
PAI: — Meu filho, porque, quando eu tenho poder, eu não preciso gritar, e, quando não tenho, não adianta eu gritar.
FILHO: — Ah, entendi…

À época em que esse diálogo ocorreu, acreditei em minha explicação. Hoje, três anos depois, vejo que é totalmente falsa. Primeiro, eu não tenho nada contra gritar, embora, nas raras vezes que o faço, tendo a fazê-lo de *forma loganalítica, ou seja, de forma autológica, microscópica e expressando meu estado afetivo ou meus desejos. Ou seja, dificilmente gritaria:

EU (para o filho): — CARA, VOCÊ (*heterologia) É UM RELAXADO TOTAL! PÁRA COM ISSO DE DEIXAR SEMPRE SUAS TRALHAS EM CIMA DE MINHA MESA DE TRABALHO! SE VOCÊ CONTINUAR A FAZER ISSO, NUNCA MAIS (macroscopia) LHE DEIXO USAR MEU COMPUTADOR!

Provavelmente, nessas circunstâncias, se chegasse a gritar, gritaria:

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EU: — HOJE, SUAS TRALHAS ESTAVAM, DE NOVO, EM CIMA DE MINHA MESA DE TRABALHO! CARA, EU (heterologia) TÔ FICANDO COM O SACO CHEIO (expressão de emoção)!

E, sem dúvida, se tiver que optar, acho mais adequado gritar de forma loganalítica do que falar em tom normal de forma não loganalítica. Segundo, se, via de regra, eu não grito, isso não se deve às razões que dei a meu filho, mas, simplesmente, PORQUE NÃO TENHO GÁS para fazê-lo. E não tenho esse gás porque, de maneira geral, expresso minhas emoções, sentimentos e desejos muito antes de que eles se acumulem o suficiente para ser capazes de gerar gritos. … E sintomas.

Em tempo: note-se que, no exemplo de “grito loganalítico”, não há a promessa MACROSCÓPICA de “NUNCA MAIS” deixar o jovem “delinqüente” usar o computador. A seguinte tática é muito mais eficaz:

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FILHO (após ter, mais uma vez, deixado as próprias tralhas na malfadada mesa): — Pai, posso usar o computador?
PAI: — Não.
FILHO: — Por quê?
PAI: — Porque você deixou, MAIS UMA VEZ, suas tralhas em cima de minha mesa e eu estou p. da vida.
FILHO: — Você não vai DEIXAR MAIS eu usar o computador?
PAI: — Vai pedindo, quando eu deixar de ficar p. da vida, eu deixo. Posso, inclusive, avisar você, quando eu não estiver mais.

Dá tããão certo!

*O que é heterologia e o que é gritar de uma forma loganalitica?

Gritar de “forma loganalítica” é, a despeito do alçamento da voz, termos o cuidado de formular o que está sendo gritado de maneira (1) “AUTOLÓGICA” – ou seja, usando o pronome pessoal “eu”, primeira pessoa do singular – (2) EXPRESSANDO, na frase enunciada, nossas próprias EMOÇÕES E DESEJOS – (3) sendo “MICROSCÓPICOS” – ou seja, enunciando a situação específica a que tais emoções ou desejos se referem (ex.: “Ontem, quando você, na festa de aniversário de seu chefe, não me apresentou à mulher dele como sendo eu sua mulher…)” – e não, macroscópica – ou seja, usando termos gerais (ex.: “Você NUNCA…”, “eu SEMPRE…”) e (4) entendendo que, pelo menos em nossas relações íntimas, (3) temos o DIREITO INCONDICIONAL de enunciar verbalmente nossas emoções e desejos, independentemente do quanto tal enunciação seja RELEVANTE, RACIONAL, AGRADÁVEL, RELEVANTE OU PRATICAMENTE ÚTIL (Cf. “A NOVA CONVERSA”).