por Danilo Baltieri
"Gostaria de saber se a ciência tem buscado uma medicação que substitua o crack? Há alguma esperança em tratamento, pois já fiz todos possíveis e não consigo me libertar."
Resposta: Os quadros * nosológicos relacionados ao consumo dessa droga são variados, indo desde o abuso ou uso nocivo, síndrome de dependência, quadros psiquiátricos induzidos pelo consumo inadequado (como síndromes depressivas, ansiosas e psicóticas) até quadros de deterioração de sistemas orgânicos (lesões cardíacas, pulmonares, vasculares etc). Todo diagnóstico deve ser realizado por profissional médico adequadamente habilitado. A fissura é um sintoma central em qualquer quadro de dependência química e a sua gravidade e frequência são relacionados com recaídas e lapsos.
Se você for portador de Síndrome de Dependência de cocaína/crack, devemos levar em conta a heterogeneidade da população que padece desse problema.
Dados os fatos de que a doença Síndrome de Dependência de cocaína/crack é crônica e de que a população que padece dela é altamente heterogênea, não é possível aventar uma fórmula ou receita única para assolar o problema.
Manter-se afastado de pessoas que fazem uso da droga, não fazer uso de álcool e outras substâncias psicoativas, evitar situações de risco (festas, baladas, noitadas), modificar seu estilo de vida são conselhos geralmente emitidos para aqueles que procuram tratamento, objetivando afastar os gatilhos para a fissura e recaídas.
Participar de grupos de mútua ajuda (NA, AA) é bastante recomendável para uma parcela considerável daqueles que padecem desse problema.
Passo a passo para lidar com a fissura
De uma forma geral, os seguintes passos são essenciais para promover e manter a abstinência, evitando a fissura:
a) Identificar os estímulos externos e sentimentos que disparam o forte desejo para consumir a droga. A partir dessa identificação, desenvolver habilidades para lidar com esses estímulos e sentimentos e driblar a fissura;
b) Estabelecer um sistema de apoio ou suporte, envolvendo familiares e amigos (naturalmente não usuários), e substituir rituais do passado (como andar pelas regiões nas quais você sempre adquiria a droga, encontrar o “vendedor” no bar da esquina, etc). Isso poderá ajudá-lo a quebrar o ciclo do abuso e das atividades associadas com o consumo. Ter controle externo sobre o seu uso de cocaína/crack é bastante recomendado, dado que a doença é “traiçoeira”. Esse controle externo pode envolver dosagens frequentes da droga na urina ou sangue solicitada por médico (dentro de um programa terapêutico específico), participação regular em grupos de mútua ajuda e psicoterapia específica;
c) Desenvolver planos de ação para manejar as situações onde a fissura pode surgir. Um diário pode ser útil neste sentido;
d) Evitar passar muito tempo sozinho, sem atividades e sem a presença de pessoas confiáveis e conhecedoras do seu problema. Cada dia deve ser cuidadosamente planejado, com atividades profissionais, educacionais, esportivas e sociais em conjunto de pessoas “seguras”;
e) Ter cuidado com expectativas irreais. Muitos dependentes, após alguns dias de abstinência, sentem-se “curados” e não necessitados de tratamento especializado.
Também, abaixo, sugiro uma lista de sentimentos, pensamentos e comportamentos negativos que DEVEM ser EVITADOS e COMBATIDOS para auxiliá-lo na promoção e manutenção da abstinência:
Sentimentos negativos
• Raiva;
• Culpa;
• Ansiedade e nervosismo;
• Cansaço;
• Solidão;
• Frustração.
Pensamentos a serem combatidos
• Romantizar os tempos antigos do uso da droga;
• Pensamentos sobre cessar o tratamento;
• Duvidar se realmente você é um dependente, já que “está se saindo bem”;
• Desejo para testar-se (como ir para uma festa onde você sabe que antigamente ocorria o uso de drogas);
• Crença de que é impossível divertir-se sem o uso de drogas;
• Fantasias sobre um pseudoautocontrole;
• Pensamentos de autoindulgência
Comportamentos nocivos
• Tomar decisões sem pensar;
• Manter ou recrudescer outros comportamentos compulsivos;
• Chegar atrasado nas consultas ou nas sessões de mútua ajuda;
• Perder os planejamentos previamente realizados;
• Manter pobres hábitos de alimentação;
• Rejeitar auxílio;
• Tornar-se isolado, distante de familiares e pessoas “seguras”
A fissura tem raízes neurobiológicas. Logo, se você for portador de síndrome de dependência, ela provavelmente ocorrerá. Evitando situações arriscadas e contando com o apoio de amigos e familiares, você terá mais recursos para driblá-la.
Infelizmente, até o presente momento não existem medicações aprovadas por órgãos competentes para o tratamento deste problema. No entanto, pesquisas científicas e testes clínicos abundam na literatura com resultados divergentes.
No caso do portador da síndrome de dependência de cocaína/crack, é importante que o profissional especializado, além de avaliar a gravidade do problema, também investigue a presença de outras condições médico-psiquiátricas coexistentes e as trate bem como.
Muitas vezes, se esta outra condição médico-psiquiátrica coexistente não for verificada adequadamente, o portador terá ainda mais dificuldades para recuperar-se.
Embora não existam medicações comprovadamente eficazes e seguras para a condição, várias medicações têm sido testadas ** off-label e com algum sucesso para alguns portadores.
Como dito acima, não existe fórmula mágica. Você deve procurar um profissional especializado na matéria de fato e conversar sobre suas dúvidas e problemas.
Boa sorte!
* Nosologia: área da medicina que se dedica ao estudo, descrição e classificação das diferentes doenças.
(Etm. do grego: nósos + logos)
** O termo em inglês off label, sem tradução literal para o português, ilustra o medicamento utilizado de forma diferente daquela descrita na bula. Ou seja, o uso off label de medicamentos é a prática da prescrição de medicamentos registrados para uma indicação não incluída na informação do produto.