No texto anterior, apontei para a “epidemia” de depressão que estamos vivendo. Mas não é somente este o transtorno que nos afeta. Também crescem a ansiedade, a hiperatividade, o déficit de atenção e tantos outros… Os consultórios ficam mais cheios, a cada dia surgem mais farmácias e hospitais em nossas cidades. De um lado é ótimo termos farmácias e hospitais para a população, isto é mais do que necessário. Mas é preciso observar que o que isto indica acerca do tipo de vida que escolhemos viver.
O cérebro no mundo digital
Maryanne Wolf, no livro O cérebro no mundo digital, ao descrever a relação que estabelecemos com nossos aparelhos celulares, ou melhor, com as telas, aponta para um Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade induzido artificialmente. Afirma ela: “Dado o número crescente de distrações que povoam os mundos digitais de muitas crianças, precisamos perguntar se maiores quantidades de crianças sem esse diagnóstico [déficit de atenção] não estão ficando propensas a comportamentos semelhantes aos de crianças com déficit de atenção, devido ao ambiente. Nesse caso, que outros efeitos essas mudanças teriam sobre outros aspectos de seu desenvolvimento?” (WOLF, 2019, p. 133).
De que maneira nossos ambientes, os hábitos que adquirimos e desenvolvemos são geradores de transtornos induzidos artificialmente?
Se este for o caso, isto significaria que muitas das pessoas que sofrem com transtornos, na verdade, apresentam sintomas gerados não por uma síndrome que as toma, mas por comportamentos semelhantes aos de pessoas afetadas pela síndrome. Isto seria gerado, a partir da hipótese de Wolf, a partir de hábitos: como crianças de 3 a 5 anos passarem mais de 4 horas por dia em aparelhos digitais; adultos que aumentaram em 117% o uso diário de recursos digitais (WOLF, 2019, p. 129).
O excesso de estimulação e distração altera nossos modos de viver, sentir, pensar. Você já observou quantas vezes checa seu celular ao dia? Este hábito lhe causa algum tipo de alteração em seus estados mentais – pensamentos, sentimentos, desejos, crenças etc? Segundo a pesquisa de Hayles, uma pessoa com aproximadamente 20 anos muda a fonte de mídia cerca de 27 vezes por hora; checa seu celular entre 150 e 190 vezes ao dia; acessa em torno de 34 gigabytes por dia, o que equivale a cerca de 100.000 palavras. Isto poderia significar que lemos mais, que temos mais informações, que nos comunicamos melhor… mas não necessariamente obtemos estes resultados.
O resultado parece ser distração – induzindo artificialmente a comportamentos similares aos de um Transtorno de Deficit de Atenção; hiperestimulação, gerando, em sua ausência, tédio, um insuportável tédio – induzindo artificialmente a comportamentos similares aos de um Transtorno de Ansiedade ou, de outro lado, aos de um Transtorno Depressivo.
Não quero dizer, com isso, que os transtornos inexistem. Ao contrário, estão ai, nos afetam, exigindo cuidados médicos, psicológicos, existenciais… Mas ouso dizer que, se a hipótese da existência de transtornos induzidos artificialmente fosse comprovada, poderíamos concluir que nem todos aqueles que sofrem com os transtornos precisariam passar por isso.
Observando seu cotidiano, seus hábitos, o quanto de seu sofrimento – seja ele qual for – é “induzido artificialmente”? Lembrando o apresentado no texto anterior, ou seja, que é preciso distinguir entre tristeza e depressão, também precisamos distinguir nossos hábitos das patologias que nos afetam.
Referências:
HAYLES, N. K. “Hiper and Deep Attention: The Generational Divide in Cognitive
Modes” in Profession, 13. 2007. pp. 187-99. Disponível em: http://digitalrhetoricandnetworkedcomposition.web.unc.edu/files/2016/01/hayles-hyper-and-deep-attention.pdf Acesso em 10 set. 2019.
WOLF, M. O cérebro no mundo digital: Os desafios da leitura na nossa era. São Paulo: Contexto, 2019.