por Gilberto Coutinho
No texto anterior expliquei o conceito de ayurveda – clique aqui. Agora falarei sobre sua história.
Segundo uma antiga tradição védica, inicialmente feita por transmissão oral – de mestre para discípulo –, a respeito da descendência ou linhagem (Ayurveda vatarana = linhagem), os conhecimentos do ayurveda já existiam muito antes da criação do universo.
O senhor Brahma – o Deus Criador do universo –, considerado o descobridor, e não o inventor dessa ciência, propôs o nome de ayurveda. Com seu grande poder divino, Brahma memorizou completamente o ayurveda, compondo-o em centenas de milhares de versos. Mais tarde, percebendo que os seres humanos tinham uma vida curta na terra e uma memória não tão prodigiosa, dividiu o ayurveda em oito ramos, ou especialidades médicas, para facilitar o seu aprendizado.
Como as misérias e as doenças estavam aumentando na Terra, pessoas foram procurar os grandes sábios (rishis) para pedir-lhes ajuda no sentido de libertá-los de seus sofrimentos e daquelas doenças. Após uma longa reflexão e meditação, esses sábios decidiram enviar um importante erudito e santo, chamado Daksha Prajapati, a Brahma para com ele estudar o ayurveda; objetivavam que esse, virtuoso sábio, posteriormente, auxiliasse a humanidade a se libertar das misérias, dos sofrimentos e das doenças que a afligissem. Então, Daksha Prajapati, o primeiro discípulo de Brahma, ensinou o ayurveda aos jovens irmãos gêmeos Ashwini kumari (kumara = jovens; divinos médicos celestiais). Esses, por sua vez, transmitiram os ensinamentos a Indra (o Senhor dos Céus, chefe dos deuses). Indra transmitiu os ensinamentos a Bharadwaja ou a Atri (pai de Atreya) – aqui o conhecimento do ayurveda chega a Terra (ao mundo físico) – e também a Kashyapa (a partir desse, surge a Escola de Pediatria). Bharadwaja, ou Atri, ensina a Punarvasu Atreya (o nome de sua mãe é Chandrabhaga).
Em diversos simpósios, organizados em várias regiões da Índia, Atreya debateu importantes tópicos da medicina ayurveda com estudiosos eruditos e formulou, de forma apropriada, muitos de seus conceitos básicos. Teve seis ilustres discípulos: Agnivesa, Bhela, Jatukarna, Parasara, Harita e Ksarapani. Agnivesa, um dos discípulos mais brilhantes de Atreya, documentou os ensinamentos de seu mestre em um compêndio, que se tornou conhecido como “Agnivesa-Tantra” (Tratado de Agnivesa).
A partir de Bharadwaja ou Atri, Punarvasu Atreya, Agnivesa e Charaka, surge a Escola de Medicina Geral (da Clínica Geral). Agnivesa transmitiu os conhecimentos do ayurveda a Charaka (esse foi o primeiro a aprimorar o tratado de seu mestre Agnivesa – escrito, inicialmente, na forma de sutras (textos) ou aforismos – e a torná-lo mais volumoso, a partir de suas anotações (bhasyas) e interpretações. Sua interferência literária e terapêutica foi tão magnífica que o original tratado “Agnivesa-Tantra”, após ser totalmente reformulado, passou a ser conhecido como “Charaka Samhita” – Coleções de Charaka).
Mais tarde, Drdhabala, filho de Kapilabala, reconstruiu uma parte perdida do “Cháraka Samhitá” – a partir de outros relevantes trabalhos –, talvez, mutilado pelo lapso do tempo. Indra teve outro importante discípulo: Adideva Dhañvañtari, sucedido por Divodasa Dhañvañtari (rei de Kási, encarnação de Adideva Dhañvañtari, veio ao mundo para ensinar o Salya Tañtra – a Cirurgia). Tanto Adideva, quanto Divodasa Dhañvañtari foram importantes para a preservação e o desenvolvimento do ayurveda. Assim, Divodasa Dhañvañtari tornou-se mestre do grande sábio e cirurgião Sushruta. Dhañvañtari é conhecido como o “Pai ou Deus do Ayurveda.
De acordo com a tradição védica, a eterna ciência do Ayurveda é revelada em cada ciclo da criação do universo. De tempo em tempo, o deus Vishnu (o “preservador”, o “que penetra todas as coisas”) manifesta-se como Dhañvañtari (outras de suas importantes encarnações – avatara – foram Rama e Krishna) para ensinar e restaurar os ensinamentos do ayurveda. A partir de Divodasa Dhañvañtari e Sushruta, nasce, então, a importante Escola dos Cirurgiões.