Por Leonardo A. M. Cosentino – Psicólogo componente da equipe do NPPI
Ao questionarmos sobre o que os avanços tecnológicos podem nos propor e oferecer, percebemos que a tecnologia está profundamente enraizada em nosso cotidiano e, atualmente, o computador é um dos mais poderosos instrumentos que possuímos.
O computador concebido como ferramenta significa que este utensílio é dotado de função e utilidade, usado como recurso para alcançar um ou mais objetivos. Neste sentido, a definição de computador como máquina está baseada no fato deste aparelho complexo ser capaz de executar ações ou trabalhos de acordo com sua finalidade, transformando as relações entre as propriedades que são atravessadas por ele. Diante disso, convido os leitores para, ao invés de refletirmos sobre onde nos leva o caminho do desenvolvimento tecnológico, lançarmos luz, primeiramente, sobre os primórdios dessa relação.
Para tanto, podemos retroceder cerca de 60 ou 70 anos atrás, quando os computadores começaram a surgir, mas proponho voltarmos um pouco mais, aproximadamente 2,5 milhões de anos, quando as primeiras tecnologias de fabricação de ferramentas foram associadas aos hominídeos desse período.
Os primeiros instrumentos fabricados por nossos ancestrais, que deixaram registro, apontam sua utilização basicamente para alimentação e, conseqüentemente, vinculada à sobrevivência. Nossos antepassados começaram a construir ferramentas para possibilitar ou facilitar ações voltadas ao manuseio dos alimentos. Neste sentido, permitiam o corte, o desmembramento, o quebramento de ossos e a raspagem da carne dos alimentos animais; a quebra de duras cascas de frutos ou sementes e instrumentos eficientes para cortar galhos e cavar. Tais ferramentas foram obtidas através de técnicas de lascamento de pedras e aproveitamento de resquícios naturais e/ou animais.
O uso e a construção de ferramentas certamente é uma característica de nós Homo sapiens, porém não somos os únicos seres capazes de produzir ou utilizar ferramentas. Além de nós, há diversos outros animais que as usam, tais como outros primatas e curiosamente também outras espécies como aves e lontras marinhas. Deste modo, parece que o uso de instrumentos é uma prática que antecede até mesmo o surgimento dos hominídeos na história evolutiva, ultrapassando assim, a marca dos 5 ou 6 milhões de anos atrás. Fica clara então a profundidade e a antiguidade do uso de ferramentas.
Entretanto, mesmo não sendo a única espécie capaz de utilizar ferramentas, somos os únicos animais que se tornaram dependentes delas. E isso inclui mesmo os povos com os modos de subsistência mais simples. Os humanos, sociais e dependentes da cultura, depositam na transmissão de informação e na instrumentação uma base para sobrevivência, e sobre ela outras ferramentas e novos conhecimentos são desenvolvidos. Os chimpanzés não necessitam estritamente de sua “vara de pescar insetos” para se alimentar, a não utilização desse artefato não põe em risco sua sobrevivência, nem sua capacidade de sucesso reprodutivo. Mas nós dependemos de nossas ferramentas para sobreviver. E assim como as tecnologias avançam, nossa dependência também é transformada.
O comportamento cultural, selecionado pela pressão seletiva desde que a sobrevivência ficou afetada pela cultura, possibilitou o surgimento de formas avançadas de acúmulo e transmissão de informação, e conseqüentemente, um avanço extremo na tecnologia. Dentro desta perspectiva, a tecnologia reverberou até mesmo no suprimento de nossas necessidades mais básicas.
Para refletir a respeito do valor que a tecnologia assumiu em nosso meio, devemos estar atentos ao quanto ela permeia nossas vidas. Hoje, a tecnologia media ou interconecta praticamente todas as nossas ações cotidianas. Vemos facilmente o reflexo desse impacto na transformação das relações humanas mediadas pelo computador.
Atualmente, a extensão do uso da tecnologia produziu uma cultura capaz de promover um certo controle sobre a evolução humana. O homem no mundo contemporâneo está praticamente desprovido das condições que trariam novas especificações e, por conseguinte, o surgimento de uma nova espécie. Hoje, o isolamento reprodutivo é quase inexistente, especialmente pela globalização e mobilização auxiliada pela própria tecnologia atual. Sendo assim, talvez o Homo computerensis nunca venha a existir, mas a relação de dependência entre o ser humano e a tecnologia tende a se expandir e aprofundar ainda mais, atravessando cada vez mais aquilo que nos faz humanos.