por Elisandra Vilella G. Sé
A memória é uma importante função cognitiva do ser humano. É a base para o desenvolvimento da linguagem, do reconhecimento de pessoas e objetos, para nossa identidade e para termos consciência da continuidade de nossas vidas.
A memória pode ser estudada como um conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permite o armazenamento seletivo de informações e conhecimentos que podem ser evocados consciente ou inconscientemente.
A grande variedade de teorias que procuram definir o que é memória e explicar os atos de reter e recuperar conteúdos na mente, reflete a grande variedade de atividades cognitivas e emocionais envolvidas em processos que são fundamentais ao desenvolvimento e ao curso de vida das pessoas.
A memória como propriedade de conservar informações, remete-nos a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas ou que ele representa como passadas.
De acordo com a literatura referente aos sistemas de funcionamento da memória existem dois tipos básicos de memória, especificamente linguística, a memória semântica (léxico, gramática, vocabulário) e a memória episódica (fatos, eventos, experiências) que pertencem ao sistema chamado de memória de longo prazo.
Diversos modelos teóricos foram elaborados para representar e descrever o funcionamento da memória humana. Do ponto de vista do processamento, duas correntes teóricas básicas se contrapõem: uma defende o processamento serial autônomo, isto é, que as operações ocorrem em sequência, sem efeitos retroativos, enquanto a outra propõe o processamento paralelo, partindo do pressuposto de que o conhecimento semântico é heterogêneo e distribuído e de que diferentes aspectos do conhecimento são implementados por estruturas diferentes do cérebro (DAMÁSIO, 1990, p. 96). Estes pressupostos nos ajudam a entender melhor os estudos ligados à memória no envelhecimento e identificar a relação da linguagem e memória, pois para uma melhor compreensão da relação entre essas duas funções, é necessário considerar uma relação de constitutividade entre elas.
O signo linguístico não é uma associação entre coisa e palavra, mundo e língua. É um tanto simplista dizer que a verdade é uma relação entre mundo e o que dizemos sobre ele. Para o linguista brasileiro bastante reconhecido na área, chamado MARCUSHI, “… as coisas não estão no mundo da maneira como as dizemos aos outros. A maneira como nós dizemos aos outros as coisas é decorrência de nossa atuação intersubjetiva sobre o mundo e da inserção sóciocognitiva no mundo em que vivemos. O mundo comunicado é sempre fruto de um agir intersubjetivo diante da realidade externa e não de uma identificação de realidade discreta”.
Além disso, o autor salienta uma antiga questão com relação ao problema da referência “as coisas não são por que as pensamos, mas por que elas podem ser pensadas e o seu modo de ser não é uma questão empírica e sim uma questão cognitiva”.
Ao estudarmos a relação linguagem e memória, podemos perceber que as fases da memória não são únicas. Existe um contínuo de ir e vir da memória que permite o indivíduo manter unidades de informação na memória de curta duração e ativar e transferir informações da memória de longa duração para a de curta duração. Trata-se de um modelo complexo e dinâmico de processamento mnemônico (referente a memórias) e linguístico. Portanto, esse pressuposto derruba o modelo estruturalista da memória que defende que exista um processamento serial para a aquisição e recuperação dos conteúdos, das informações, das sensações, dos conhecimentos.
A grande questão é saber: como o nosso conhecimento está organizado e representado na memória? Como esse conhecimento é utilizado e que processos e estratégias de memória as pessoas utilizam por ocasião do uso? Muitas vezes essas estratégias são de natureza cognitiva, emocional, subjetiva, situacional ou contextual.
Todo nosso discurso trata-se de jogo intersubjetivo e interdiscursivo, evidencia-se a participação ativa dos sistemas de memória. A perspectiva da enunciação considera que diversos outros discursos são inseridos nas enunciações das frases, palavras, versos, textos ditos por todos nós para a construção do sentido. Para o processo de compreensão dos enunciados, além do conhecimento linguístico, é necessário que a pessoa faça retomada de outros conhecimentos estabilizados na memória. Os enunciados pré-construídos, fragmentos de narrativas, processos referenciais e expressões formulaicas (frases feitas, ditos populares) mobilizam diferentes formas dessa relação que tem na remissividade uma de suas propriedades mutuamente constitutivas.
Considerando um aspecto peculiar da memória, a temporalidade do esquecimento, este pode fazer parte tanto de um envelhecimento saudável (parte de um bem-estar) como também de um envelhecimento patológico. De acordo com Ecléa Bosi (1994), na velhice, a função da pessoa idosa na sociedade é a de lembrar, tornando-se a memória viva da família, do grupo, da instituição, da sociedade e quando a sociedade a impede de exercer essa função de agente social, pode promover um adoecimento psíquico, resultando um contexto social perverso.
É importante ressaltar que nós situamos o que lembramos dentro de espaços mentais oferecidos pelo grupo social. O grupo social fornece aos indivíduos um referencial em que suas memórias são localizadas por um mapeamento. Conforme afirma BOSI (1994, p. 81), “Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho”