Por Edson Toledo
Quem nunca escutou a expressão “mantenha sempre viva sua criança interior”. Pois bem, existem casos em que essa “criança interior” é exteriorizada de maneira intensa e visceral, é levada ao pé-da-letra, a ponto de levar adultos a se comportarem como crianças.
Nos casos mais extremos, usam roupas de bebês, quero dizer, mandam confeccionar e adaptam para o seu corpo, usam mamadeira, chupeta e até fraldas. Falam e se comportam como um bebê. Dormem em berços, brincam com seus ursinhos de pelúcia, bonecas e todos os mimos que um bebê ficaria encantado. Esse é o infantilismo clássico, mas não é desse tipo de infantilismo que falarei aqui.
A contemporaneidade trouxe um outro fenômeno que vem acontecendo com os adultos. Mudanças no modo e no ritmo de vida estão exigindo uma reconstrução da visão tradicional que tem sobre a divisão da vida humana em períodos segundo a idade.
Com um ritmo mais acelerado de vida, novas visões sobre a educação e os papéis sociais, o papel do casamento, a identidade profissional, são todas mudanças que estão pondo em xeque o trinômio tradicional, infância-jovem-adulto.
O que os estudos têm apontado é que conforme o período compreendido por vida adulta está sendo adiado entre as gerações, e uma das consequências é a de que para muitos indivíduos o significado da vida adulta como um período de certeza vem enfraquecendo. Mas parece haver mais do que isso, conforme ressaltam Elena Sabelnikova e Natalia Khmeleva, da Escola Superior de Economia (Rússia).
Segundo as pesquisadoras, aqueles que atingem a idade que os define como adultos estão preservando sinais de infantilismo. E, defendem elas, esse infantilismo está se tornando uma norma, não uma exceção.
De um ponto de vista psicológico, a idade adulta implica autorregulação, maturidade emocional (racionalidade, autocontrole, falta de impulsividade etc), responsabilidade, capacidade de autorreflexão e necessidade de trabalhar e ter relações estáveis, com os adultos lutando pelo sucesso em suas profissões e na vida familiar.
Alguns psicólogos enfatizam a importância do impulso de afiliação e realização: É importante que uma pessoa defina sua posição civil e social, seu estilo de vida etc.
De acordo com Sabelnikova e Khmeleva, a personalidade infantil, ao contrário, é caracterizada por sentimentos imaturos (reações "infantis", falta de força de vontade, falta de confiança), locus externo de controle (outras pessoas são culpadas), autoconceito inflado, baixas demandas sobre si mesmo (acompanhadas de altas demandas à sociedade) e egocentrismo.
Escrevem as duas pesquisadoras em seu artigo publicado na revista Education & Society, "Uma pessoa infantil procura escapar da necessidade de avaliar adequadamente a realidade social objetiva".
Em outras palavras, a maturidade está associada ao domínio bem-sucedido de papéis sociais-chave: profissional, conjugal e parental.
Ocorre que um número cada vez maior de pessoas está atrasando essas escolhas típicas da maturidade e valorizando-as de forma diferente. Essas pessoas estão gastando mais tempo em busca de si mesmas e estão demorando mais para chegar ao fim de sua educação formal ou escolher um parceiro, por exemplo. Como resultado, o processo de identificação profissional e pessoal está demorando mais para acontecer.
Muitos especialistas defendem que retardar a vida adulta é uma resposta a uma nova realidade: Tudo está mudando, do conjunto de competências e empregos (alguns deles estão desaparecendo enquanto outros estão surgindo ou evoluindo) até os relacionamentos.
Várias novas maneiras de viver foram descobertas, modelos alternativos da idade adulta evoluíram, o curso de vida das pessoas tornou-se menos previsível. Por exemplo, as pessoas obtêm um diploma, trabalham, mas depois voltam novamente a estudar e mudam de profissão (a frequência de universitários na segunda graduação tem aumentado). Eles podem deixar a casa dos seus pais, mas depois voltam e prolongam sua "infância".
Mas isso frequentemente tem efeitos colaterais sérios, como uma gama de oportunidades de vida ampla demais, o que se torna desorientador e dificulta novas escolhas, fazendo com que a pessoa nunca se defina e nunca escolha um caminho: ela se torna infantilizada, defendem as pesquisadoras.
Alguns psicólogos e sociólogos argumentam que a idade adulta não é mais um valor incondicional. Por exemplo, um estudo sobre atitudes entre alunos da 5ª série revelou que eles não parecem dispostos a crescer, associando a vida adulta não apenas à independência, mas também a responsabilidades demais.
Os jovens adultos estão em situação semelhante. "A imagem contraditória do futuro … assusta um jovem e o encoraja a permanecer na infância, onde não havia problemas e a vida era estável e segura," escrevem Sabelnikova e Khmeleva. Neste caso, ressaltam, o infantilismo é quase uma escolha consciente.
As duas pesquisadoras acreditam, no entanto, que o infantilismo não deve ser julgado. Até certo ponto, ele pode ser considerado um sinal da diversidade temporal no desenvolvimento pessoal. O famoso psicólogo russo Lev Vygotsky (conhecido por seus estudos sobre aprendizagem) escreveu sobre processos similares há quase um século.
"O caminho da personalidade para a maturidade não é homogêneo por tipo", defendem Sabelnikov e Khmeleva. Completam dizendo que “devido à diversidade do tempo, nas pessoas infantis a área emocional e de força de vontade fica aquém das taxas gerais de desenvolvimento, porem a inteligência e a cognição se desenvolvem mais rápido do que a média nesse período."
A "legitimação" do infantilismo também pode estar relacionada à sua avaliação como mecanismo protetor, uma maneira de superar as dificuldades da vida, principalmente as frustrações. Nancy McWilliams, uma psicanalista dos EUA, já enfatizou que o termo "personalidade infantil" está desaparecendo da lista oficial de condições clínicas, o que parece se alinhar com os argumentos das duas pesquisadoras. Em termos modernos, a personalidade infantilizada seria apenas um caminho de vida alternativo.
Será mesmo?
Acreditamos que o tema propõe alguma reflexão e que novos estudos surjam para suportar essa ideia, quanto a nós penso que podemos observar e fazermos uma autoanalise sobre esse inegável fenômeno que os novos tempos nos apresenta.