por equipe do NPPI
Já há algum tempo temos abordado, nesta coluna, a questão da possível relação entre os games e a violência. Apesar de ser um tema bastante debatido, não é difícil nos depararmos com manchetes a respeito da suposta influência dos games em comportamentos violentos, especialmente após alguma tragédia, como um mass shooting ou perto do lançamento de algum game notoriamente violento como o DOOM.
Porém, mesmo sendo um tema discutido há décadas, será que a nossa compreensão mudou? Hoje em dia temos jogos mais realistas do que há 20 anos e o início da VR (Realidade virtual) promete nossa imersão no ambiente dos games em maneiras que nunca vimos. Ao mesmo tempo, temos uma propagação de pesquisas nos últimos anos, dispostas a tentar compreender de que forma os jogos violentos nos influenciam.
Historicamente, os pesquisadores se interessam por esse tema desde meados da década de 1990. Com o surgimento de games como Mortal Kombat e DOOM (original) houve uma preocupação com a influência da violência dos games no nosso comportamento, muitas vezes reflexo das mesmas preocupações com a TV, cinema ou rádio surgidas algum tempo antes.
O grande paradoxo desse tema é que, muitas vezes, as pesquisas apresentavam resultados opostos. Enquanto alguns estudos concluíam que o videogame era um fator de risco para o surgimento de comportamentos violentos, outros diziam não haver correlação nenhuma entre eles, independente da época em que foram produzidos.
Além disso, a própria metodologia era muitas vezes questionável. A maioria dessas pesquisas (de ambos os lados) tinha sempre o mesmo modelo. Os sujeitos eram crianças, adolescentes ou universitários, reunidos em grupos em um laboratório onde jogavam jogos violentos ou tranquilos e em seguida preenchiam um questionário para avaliar o grau de agressividade apresentado por esses sujeitos.
Ou seja, os procedimentos eram realizados em ambientes controlados (que não refletem o mundo real), e as amostras representavam apenas uma parcela específica da população. Além disso, muitas vezes se confundiam agressividade com violência. Vale lembrar que agressividade é um componente importante e necessário para lidamos com conflitos no dia a dia; enquanto a violência, que consiste na agressão a outro ser, é algo prejudicial de fato.
Desse modo, não havia como chegarmos a alguma conclusão segura, não é mesmo? Além disso, como o foco desses estudos era no curto prazo, forneciam ainda resultados menos seguros para a compreensão da influência da violência dos games depois de anos de prática desses jogos. Algumas pesquisas, inclusive, mostraram o oposto: ao compararem a venda de videogames com a taxa de criminalidade em jovens, ao longo dos anos, perceberam que, quanto mais videogames eram vendidos, menor era essa taxa de criminalidade nessa população.
Jogos refletem uma busca pela elaboração do que acontece no nosso dia a dia
Na nossa experiência clínica no NPPI, entendemos que os jogos refletem uma busca pela elaboração do que acontece no nosso dia a dia. Quando uma criança brinca, especialmente expressando violência, ela pode estar explorando em si mesma o potencial para lidar com adversidades reais. Seja no mundo real com vários tipos de brinquedos, seja no mundo virtual, utilizando games violentos.
Supomos que essa é a versão atualizada das brincadeiras antigas. Quando brincávamos de polícia e ladrão com colegas da rua não desenvolvíamos necessariamente o impulso para nos tornarmos assassinos ou criminosos. Então porque hoje em dia, ao atirar em amigos no videogame, correríamos esse risco?
Mas, ao mesmo tempo, a relação entre games e violência pode ser ainda mais profunda, afinal o elo entre esses temas é antigo. Deve existir praticamente desde o surgimento do primeiro console. A violência sempre foi usada como força motriz do divertimento nos games e, mesmo hoje, ainda é difícil imaginar games que não usem essa fórmula.
As grandes produtoras sequer se arriscam na hora de fazer um novo jogo, afinal, violência vende. E vende bem! Mesmo não encontrando mudanças visíveis no comportamento, a exposição à violência gratuita pode ter, ao menos, a função de banalizar o conteúdo violento. E será válido estimularmos essa banalização? Será que desejamos que esse tipo de entretenimento seja baseado em violência? Ou ainda, que atirar e matar seja sempre a melhor forma de resolver problemas, mesmo no mundo lúdico?
Essa não é uma questão do mundo dos games, mas de todas as formas em que consumimos entretenimento, sejam livros, séries ou filmes. Nossa sociedade está moldada de uma forma na qual a violência faz parte do dia a dia e videogames não existem num vácuo. Eles refletem esse contexto. Assim, em lugar de perguntarmos se os videogames nos deixam mais violentos, talvez seja melhor perguntarmos qual o papel (ou razão) desse alto grau de violência vigente na nossa sociedade?
De qualquer maneira, a única certeza que temos até o momento é: o lançamento de games violentos gera o surgimento de pesquisas sobre games violentos, logo em seguida.