por Regina Wielenska
No início de minha carreira ouvi da supervisora uma história que bem se ajusta ao tema de hoje. Um garoto do ensino fundamental em uma escola particular frequentemente “aprontava em sala de aula”, fazendo bagunça, perturbando a classe.
A cada episódio os pais recebiam o aviso de que o menino fora parar na sala da diretora e então, por sua vez, a mãe ou o pai se preocupava em chamá-lo para entender a história, cobrar explicações do filho, passar um sermão, e terminava por retirar dele um brinquedo ou atividade como forma de castigo. Isso tudo funcionou? Não, castigos, broncas e ameaças pareciam ter efeito zero, o menino andava de mal a pior.
Em desespero de causa buscaram ajuda de uma psicóloga infantil. Essa conversou com o menino, pais e escola. Propôs às partes envolvidas um acordo: os tais bilhetinhos iriam mudar de função; ao final de cada dia a escola se empenharia em enviar um bilhete, de teor absolutamente verdadeiro, sobre algum aspecto favorável do dia letivo do garoto. Podia ser o comportamento de ajudar um colega que acidentalmente deixou cair o caderno, acertar a resolução de um problema, colaborar com as atividades, contribuir com ideias, fazer alguma reclamação de modo assertivo, um sem fim de possibilidades, envolvendo comportamentos pró-estudo e pró-sociais, afetivos e favorecedores do convívio entre os envolvidos. E cada passo em tal direção seria comentado em casa, como evidência das capacidades do menino.
Em um tempo relativamente curto o menino começou a se transformar, e isso ocorreu por meio de mecanismos que se entrelaçavam. Primeiro, até aquele momento pais e escola de certo modo só enxergavam as inadequações do menino e apenas davam “enorme” atenção a ele cada vez que se mostrava rebelde, inadequado, agressivo. As adequações, e elas existiam em alguma frequência acima de zero, passavam em branco. Em segundo lugar, algum fator, ou soma de fatores, pode ter dado início ao frenesi de aprontações. Pode ter sido uma aula chata, falhas de aprendizagem de algum conteúdo, o fato dos pais terem se tornado mais indisponíveis para o menino (dupla jornada, doença, problemas conjugais, etc.).
Não me lembro mais do que foi, mas fica claro que isso serviu para que o comportamento inadequado (que surgiu no contexto da escola) fosse turbinado, fortalecido em termos de sua probabilidade futura, exatamente pelo fato de produzir atenção parental e na escola. “Falem mal, mas falem de mim” tornou-se o lema. Não que o garoto tivesse necessariamente clareza do jogo de forças em ação, mas reagiu a elas em busca de afeto e de atenção focada nele.
Os adultos por sua vez, não tinham a menor noção do tal jogo. Embora o objetivo das broncas e castigos dos pais fosse enfraquecer os comportamentos-problema, paradoxalmente, tudo o que faziam nessa direção apenas servia para fortalecê-los. Ninguém parecia notar, mas o tiro saia pela culatra.
Atenção, reconhecimento, preocupação e o esforço de alguém que se preocupa conosco, quem não gosta disso? O menino e a torcida dos principais times do Brasileirão, todo mundo quer um pouco de afeto. E por vias tortas o menino recebia aquilo do qual estava privado. Não que fosse uma criança lançada às traças, passando fome, sendo vítima de espancamentos e outras coisas horríveis. Mas algo ficou claro: havia atenção de menos para os pontos fortes e excesso de foco sobre os problemas.
Eu só contei um pequeno fragmento dessa intervenção psicológica e mostrei seus efeitos. Muito mais ocorreu, mas peço ao leitor que se limite aos aspectos que resolvi pinçar:
– Para ter uma ação positiva sobre meu filho preciso observar o efeito de meus atos sobre os dele e os dele sobre as pessoas; preciso deixar minhas intenções de lado e identificar relações entre comportamentos e suas consequências.
– Ao contrário de nossos atos, intenções não bastam para transformar o mundo; no intuito de corrigir o comportamento problemático por meio de broncas, castigos e conversas, as inadequações ganhavam corpo pelo fato de produzirem contato diferenciado com a família ou a diretora.
E não podemos esquecer que a descoberta da melhor direção da mudança requer que tenhamos um olhar atento e amoroso sobre as relações humanas. Observar os efeitos do que fazemos, testar hipóteses, experimentar o novo e sentir seus efeitos, tudo isso pode ajudar pais e professores.