por Maluh Duprat – psicóloga componente do NPPI
Dualismos, polaridades, são formas muito costumeiras de se definir ou atribuir valores a comportamentos e atitudes sociais. Certo ou errado, bom ou mau, normal ou patológico, em que categoria me encaixo? Estou dentro dos padrões morais e culturais aceitáveis, ou sou um desvio, uma exceção à regra, a ser corrigida o quanto antes, para voltar a ser aceita (ou para o conforto do próximo)? Questões como essas, pertinentes a tantas facetas humanas, desde os primórdios da nossa história, hoje se estendem a um dos seus mais recentes artefatos: o uso da Internet.
Dentre as consultas que nos chegam, um dos temas mais freqüentes se refere ao polêmico uso compulsivo do computador. A Internet vem exercendo tal fascínio entre muitos dos seus usuários, que está se tornando, para eles, cada vez mais difícil viver sem ela, criando uma verdadeira dependência, a ponto de definirmos como vício o que parecia ser apenas um hábito.
Se nos atermos à colocação inicial deste artigo, polarizando as possibilidades de uso do computador, não há como negar suas fantásticas qualidades e a quase impossibilidade total de prescindirmos dele no nosso dia-a-dia, voluntária ou involuntariamente. Uma ferramenta de trabalho das mais comuns e também das mais sofisticadas, pré-requisito para um sem-número de atividades humanas. Em função disso, é cada vez maior o número de pessoas que passam a maior parte do dia diante dessa máquina. Outros tantos, que não a utilizam apenas para o trabalho, mantêm uma extensa rede de comunicação social, absolutamente atualizada, minuto a minuto! Suas virtudes, tanto no campo da informação, como da comunicação em tempo real, são de valor indiscutível, não caberia aqui enumerar seus predicados. No entanto, no outro pólo, surgem suspeitas de possíveis malefícios que o uso contínuo possa estar trazendo aos usuários mais compulsivos.
Não há como distinguir, em certo sentido, o vício em Internet dos vícios de outra natureza, da dependência por outros elementos, como os químicos, os alimentares, sexuais, de consumo, em jogo. Cria-se dependência por algo que dá prazer, muito prazer. Esse é o primeiro mote de qualquer vício, até mesmo por aquilo que não consideramos vício, apenas hábito, como o cafezinho, o chocolate, o cachimbo. Então, em que difere o hábito do vício?
No hábito, não há privação de outras funções ou comportamentos, não ocupamos o espaço de atividades importantes com aquilo de que passamos a depender, seja trabalho, estudo, lazer, contatos familiares e sociais. Temos controle sobre nossos hábitos, não somos controlados por eles. No vício, o controle se inverte, passamos a ser dominados por ele, o prazer que antes era sentido como tal, passa a ser sempre insuficiente e aquém das expectativas, sempre exigindo mais e mais. E a ocupar o tempo e o espaço de outras atividades, se não prazerosas, não menos importantes, prejudicando o usuário em algum nível. O comportamento do viciado, que geralmente não se admite como tal, costuma tornar-se refratário a todo tipo de crítica, reagindo com rigor a qualquer limitação que se interponha à satisfação de seu vício. O prazer se desloca do bem-estar ocasional para a destrutividade, consciente ou não, de algo com o que não se consegue conviver.
Situar a Internet entre esses dois extremos, virtude ou vício, seria atribuir a ela características humanas que não lhe pertencem, que não são de sua natureza. Seu potencial é incalculável, o do homem nem se fala. Cabe a ele lidar construtiva ou destrutivamente com seus artefatos. Se algum dom ela tem, que seja o de revelar ao seu usuário ou às pessoas próximas que alguma coisa não vai bem com ele; que ela tem seus encantos, é verdade, mas outras coisas, por alguma razão, estão deixando de ser vividas no mundo real. Mundo esse muito complicado do lado de cá da tela, mas que também tem suas virtudes. Resgatá-las é reaver a pulsão de vida que o vício, inopinadamente, pode roubar de qualquer um de nós.