por Bruno Oilveira – psicólogo do NPPI
Já faz algum tempo que vivemos em meio à intensa produção de ferramentas tecnológicas em nossa cultura. Tantos as novas descobertas quanto o aperfeiçoamento das já existentes acontecem de maneira tão rápida que não é raro nos sentirmos desnorteados, sem saber ao certo o que pensar a respeito delas.
Durante a III Jornada de Psicologia e Informática organizada pelo NPPI (setembro/2008), a fala de um palestrante me chamou a atenção, disse ele: “Agora uma pergunta óbvia, o que é a Internet? É a rede mundial de computadores, certo? Não, ela é a uma rede de pessoas conectadas através dos computadores…”. Uma colocação simples como essa revela uma tendência muito importante que todos nós temos ao pensar as novas tecnologias, que é a de atribuir-lhes uma autonomia em relação a nós, seres humanos, que as utilizamos. Perdemos de vista que, por mais revolucionária que seja uma tecnologia, ela é sempre uma ferramenta.
Mas o que “ganhamos” ao pensar a tecnologia como independente de nós? A meu ver, este tipo de atitude pretende aplacar um pouco o que sentimos ao sabermos de um uso que julgamos absurdo destas ferramentas (seja por sua finalidade ou intensidade); pois, com esta atitude, “culpamos” a máquina e evitamos responsabilizar o próprio ser humano que a utiliza. Desta maneira, afasto um pouco também, a minha responsabilidade ao me relacionar com estas novas tecnologias.
É consenso que o aparato de recursos informatizados transforma radicalmente as possibilidades de uma pessoa se relacionar com o mundo, mas, o que não podemos deixar de lado ao pensarmos estas transformações, é o fato de que elas serão vividas por pessoas. Aliás, é só por causa das pessoas, que podemos identificar os seus mais diferentes tipos de usos e aplicações. Como exemplo, podemos citar os diferentes conteúdos dos sites da Internet, que podem variar desde os mais edificantes até os elementos que passam pelo imoral e o perverso.
Dédalus e Ícaro
Para aprofundar esta reflexão gostaria de contar, resumidamente, uma história da Grécia antiga que narra a vida de Dédalus e de seu filho Ícaro. Dédalos era um inventor que servia ao rei e à rainha de Creta. O rei ordena a Dédalus que construa um labirinto para prender o monstro que sua mulher havia parido (o Minotauro) e, para ter certeza de que ninguém pudesse escapar deste labirinto, o rei manda que nele sejam presos Dédalus e seu filho. Uma vez lá dentro, estes prisioneiros começam a elaborar um meio de sair do labirinto. Visto que este não tinha teto, elaboraram dois pares de asas, construídos com cera de abelha e penas dos pássaros que viviam no labirinto, para poder escapar. Um pouco antes, o pai adverte o filho: ao sair do labirinto ele irá se deparar com um mundo muito amplo, que lhe parecerá sem limite; porém, terá que se haver com limitações de outra natureza, posto que são ‘invisíveis’. Por exemplo, se voar baixo demais, a umidade fará suas asas se tornarem pesadas; se voar muito alto, o calor do sol derretera a cera de abelha e em ambos os casos não poderá mais voar. A estória tem um fim trágico. Ícaro, ao voar do labirinto, fica deslumbrado com a sua nova liberdade e voa muito alto. Tão alto que o sol derrete a cera das suas asas, e ele cai no mar e submerge.
Esse mito, embora muito antigo, é ainda atual, e nos permite realizar algumas reflexões essenciais a respeito de nossa relação com a tecnologia. A posição de Dédalus, no mito, nos conta a respeito do quanto a tecnologia pode inaugurar um novo mundo, mas nos mostra também que podemos nos ver obrigados a viver só neste novo mundo. Já a posição de Ícaro nos fala sobre a potencialização que as inovações podem promover no homem. E nos mostra que, quanto mais potentes nos sentirmos, pelo acesso a esses recursos, maior deverá ser nosso cuidado quanto ao respeito aos limites do seu uso, posto que esses limites deixam de ser tão nítidos. Resta a você, leitor, se perguntar: nestes quesitos, como tem lidado com estes limites, na sua relação com a tecnologia?