por Juliana Zacharias – psicóloga componente do NPPI
A internet entrou em nossa vida com tal força que muitas vezes nos perguntamos como conseguíamos realizar muitas tarefas antes do advento dessa incrível tecnologia. Como nos comunicávamos com nossos amigos? Como conseguíamos manter amizades distantes?
Como ficávamos sabendo das notícias? Como fazíamos compras e comparações de preços? Como fazíamos propaganda de nossos negócios? É como se nossa experiência tivesse se transformado de tal maneira que nosso “ser digital”, hoje, é parte integrante de nossa personalidade. Parece que, no futuro, os livros de Historia (digitais, com certeza) dividirão nossa época entre antes e depois da internet.
Os ganhos que tivemos nesses últimos 15 anos em nossa comunicação e acessibilidade a informação são incalculáveis e, certamente, muito benéficos.
Entretanto, como em todas as relações humanas, nossa relação com o computador também acarreta alguns problemas.
Na clinica da PUC-SP, desde 2006, oferecemos um serviço de orientação para pessoas com dificuldades no uso do computador. Ainda que a proposta seja atender tanto pessoas com uso exagerado, como pessoas com tecnofobia, não atendemos nenhum usuário do serviço cuja queixa fosse medo das novas tecnologias. Entretanto, tivemos (e cada mês temos mais) muitos casos de pessoas mergulhadas nessa relação com o computador que, ou através da própria percepção ou por apelos de terceiros, nos procuram em busca de ajuda.
Jogos, salas de bate-papo, sites de notícias, redes sociais, pornografia são alguns exemplos das atividades mais envolvidas nessas queixas. Cada usuário do nosso serviço expõe um pouco de sua história e fala das características específicas do uso que faz. E cada um tem mesmo sua especificidade. Mas, o denominador comum desses casos, apesar de toda a tecnologia, é um antigo conhecido do ser humano: o desejo de ser “inteiro”.
O ser humano sempre teve alguma consciência de que lhe falta algo (ou muito). Somos seres que desejam, anseiam, têm vontades, exatamente porque não temos tudo. As ferramentas que criamos sempre tiveram a tarefa de aliviar essa sensação de falta: os carros nos fazem correr em velocidades impossíveis para nossas pernas, os aviões nos fazem voar, criamos as roupas para nos aquecer, geladeiras preservam nossos alimentos e assim por diante.
Quando se trata dos computadores, apesar de também serem fruto de nosso desejo, as satisfações são diversas, e por isso, nos ligamos a essas máquinas pelas mais diferentes razões. Temos observado que, nos casos das orientações as insatisfações amorosas (conjugais) e sexuais aparecem como uma importante motivação das pessoas que ficam muito tempo online. Em alguns casos, o tempo despendido na net ajuda a evitar conflitos e coopera para certo amortecimento das questões mal resolvidas do casal.
A atividade que a pessoa realiza na net pode até não ter relação direta com relacionamentos ou com sexo, como, por exemplo, os jogos ou sites de notícias. Com relação à sexualidade mais diretamente, parece que a internet estimula a sensação de que existe um sexo fácil, que não dá trabalho, que não precisa ser conversado, que não vincula e, ao mesmo tempo, que completa… E a partir disso, qualquer relação sexual presencial pode ficar trabalhosa demais, cheia de defeitos e pouco interessante.
Para além das relações amorosas e sexuais, as dificuldades no ambiente de trabalho, a pressão para se estar sempre informado, a correria do dia a dia e a falta de tempo aparecem como outras motivações importantes para as pessoas passarem mais tempo conectadas. E, apesar da contradição (falta de tempo x perda de tempo online) muitos relatam que o relaxamento proporcionado pela virtualidade é muito sedutor, mesmo que depois falte ainda mais tempo para aquelas atividades que, mais racionalmente, são relatadas como importantes (como estudar, passar tempo com filhos, trabalhar melhor, etc.).
Como vemos, devido a toda amplitude de influências e mudanças que essa ferramenta nos proporcionou, os pontos de conflito também crescem e se multiplicam. O homem criou a ferramenta, ela nos transformou, mas só depois que as mudanças já aconteceram (ou pelo menos estão acontecendo), começamos a refletir sobre o que existe de bom e de ruim nessas transformações…
Por isso, tanto do ponto de vista profissional ao atendermos alguém com dificuldades no uso do computador, como para cada um dos milhões de usuários dessas tecnologias, é fundamental buscar o sentido de cada experiência que temos ou procuramos na net. E, se percebermos que existem dificuldades, buscar ajuda para melhorar essa relação conflituosa, mas essencial para a nossa vida atual.