por Nádia Destefani Rodrigues – psicóloga do NPPI
A difusão das novas tecnologias informatizadas gerou muitas mudanças em nossa sociedade. Quem não se lembra do tempo que usávamos discos de vinil, fitas cassetes, fitas de vídeo e filmadoras? Parece que foi há muito tempo, mas tudo isso era usado há cerca de 15 anos. Desde então, trocamos o vinil pelo cd e o cd pelo MP3. Ficou muito mais fácil ouvir seu artista predileto: é só baixar pela internet o arquivo em MP3. Tivemos também a invasão dos telefones celulares, dos computadores que ficam cada vez menores, câmeras digitais, pen drives, iPods e etc. Muitas vezes nem percebemos, mas quase tudo que fazemos atualmente na rotina diária envolve o uso de algum recurso dessa tecnologia. Basta ficarmos sem energia elétrica para nos darmos conta dessa condição.
A internet difundida a partir de 1995 também trouxe grandes mudanças na sociedade: informações sobre temas variados circulam muito mais rapidamente pela rede, conectando amplamente as pessoas de, praticamente, qualquer ponto do globo terrestre.
Wall-E: o robô emotivo
O filme Wall-E (2008), – animação dirigida por Andrew Stanton, criador de Procurando Nemo – propõe uma reflexão sobre essas transformações, oferecendo uma visão – ainda que fantasiosa – sobre o que poderá acontecer com a Terra se a utilização da tecnologia continuar ocorrendo de forma pouco consciente pelos seres humanos.
O filme começa com uma tocante visão panorâmica do planeta Terra completamente tomado por torres de lixo. A terra ficou tão poluída, que os humanos tiveram que passar a viver em uma nave, vagando no espaço, deixando aqui um exército de robôs encarregados de compactar o lixo produzido pelos seus ancestrais. Assim que a Terra tornasse habitável novamente, os humanos retornariam. Por isso, de tempos em tempos, eles enviavam uma sonda à procura do retorno da vida no planeta. Porém, após tanto tempo só restou Wall-E, um dos robôs encarregados da faxina da Terra. Mas, Wall-E parece ser um robô diferente: ele parece ser curioso e interessado, brinca com o lixo, buscando sua funcionalidade. E quando encontra algo que lhe agrada, guarda o objeto em um pequeno depósito – o local onde ele descansa e recarrega as energias, uma espécie de casa. No momento de descanso, ele se autoembala, como uma criança antes de dormir. Ele se mostra emotivo e afetivo, pois se encanta com filmes e demonstra medo durante uma tempestade. Sua única companhia é uma barata de estimação, Spot.
Após muito tempo sozinho compactando lixo, uma nave chega à Terra e desembarca mais uma sonda à procura de vida, "a" robô Eve. Wall-E parece muito interessado nessa nova companheira e começa a tentar fazer amizade, mostrando-lhe os seus guardados, retirados do lixo, e, dentre esses, acaba lhe mostrando uma frágil planta que Eve recolhe, para em seguida, ser resgatada pela nave. Inconformado, Wall-E se agarra à nave – única forma de seguir Eve – e acaba chegando ao local (a nave) onde estão os humanos.
Esse abrigo dos humanos é bem semelhante a um navio de cruzeiro, dispondo de tanta tecnologia que não precisavam fazer nada, os robôs faziam tudo por eles. Eles não se exercitavam, e nem ao menos caminhavam. Eles não se movimentavam para fazer absolutamente nada. Até mesmo a comunicação entre eles se dava online via computador, por meio de uma ferramenta de comunicação visual. Eles nem sequer olhavam ao seu redor, passando a não "ver" mais as próprias pessoas com quem apenas conviviam, lado a lado.
Há diversos simbolismos implícitos e/ou expressos nas imagens do filme, mas gostaria de enfatizar e refletir sobre um desses aspectos: a relação dos humanos com a tecnologia e suas possíveis implicações para a humanidade. Gostaria de propor aqui uma reflexão que nós do NPPI costumamos fazer com frequência: como se dá a relação do homem com a tecnologia?
O filme Wall-E coloca uma visão crítica dessa relação, utilizando a inversão de papéis: Wall-E é um robô que parece humano, enquanto os humanos parecem bebês dependentes: não andam, não olham para os lados, não se alimentam sozinhos, não trocam suas vestimentas sem o auxílio das máquinas. Parece que o "homem" retratado no filme não pensa, simplesmente vive de forma "mecanizada".
Mas, não precisamos avançar muitos anos como no filme, basta olharmos ao redor hoje mesmo, as crianças que brincam dentro de casa com seu game: não andam, nem correm; nem ao menos piscam, hipnotizadas por um dos seus lazeres favoritos. Seus brinquedos falam, andam, emitem sons… Há trinta anos, as crianças brincavam no parquinho, corriam, pulavam, brincavam no gira-gira, jogavam bola, empinavam pipa. Muitas crianças desta "sociedade tecnológica" mal reconhecem a graça desse tipo de brincadeira. Por este ângulo podemos identificar um aspecto negativo dos atuais avanços tecnológicos, pois as crianças que só se utilizam desses brinquedos, perderam uma importante forma de vivência da criatividade.
E os adultos? Que mudanças a tecnologia trouxe para eles?
Bom, basta relembrar o que ocorre ao ficarmos algumas horas sem energia elétrica: o que você consegue "fazer" nessa condição? Boa parte dos adultos sequer consegue sair de casa, pois muitos portões (ou os elevadores dos edifícios) são automatizados. Se você já estiver fora de casa, provavelmente também ficará em apuro, pois o trânsito das cidades costuma ficar caótico nessas ocasiões (uma vez que os faróis param de funcionar). Ou ainda, caso você consiga chegar a algum estabelecimento comercial, será difícil até mesmo efetuar qualquer compra sem o auxílio das máquinas de cartão. Quem hoje ainda carrega dinheiro ou cheque?
Por outro lado, constatamos também os inúmeros benefícios gerados para a nossa sociedade atual por essas mesmas tecnologias, a começar pelas comunicações via internet, ampliando geometricamente a velocidade das interações mundiais. Ou ainda, os inúmeros avanços da medicina, da educação – entre outras áreas de atividade – agora viáveis graças a esses mesmos recursos.
Dessa forma, será sempre parcial nos referirmos aos aspectos "positivos ou negativos" das novas tecnologias de forma isolada. Seu caráter benéfico ou prejudicial dependerá – sempre – da maneira como estiver sendo utilizada por nós. Cabe ao ser humano criar e desenvolver o senso crítico e as adequadas formas da sua utilização.