Irritação tem cura?

por Patricia Gebrim

Outro dia eu acordei irritada. Ainda bem que nem sempre isso acontece comigo, na verdade o que vou contar foi uma exceção. O mais comum, quando acontece, é que eu vá me irritando no decorrer do dia, mas naquele dia recebi de presente essa “pérola”… acordei querendo estrangular alguém!

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No meu caso isso nem é tão mal, uma vez que um tempo depois posso transformar o que vivi em um artigo mais ou menos divertido, e se eu fizer isso bem, até posso dar risada do que antes me pareceu absolutamente insuportável. Mas eu não poderia saber disso naquele dia. Estava irritada e era só o que eu sabia!

Bem, naquele dia, vou chamá-lo de 'O DIA!', me vesti para sair para o trabalho, e percebi, atônita, que alguém tinha transformado o mundo enquanto eu dormia. Desci para tomar café e, em vez de encontrar minhas duas cachorras alegrinhas, que todos os dias me brindam com latidinhos de afeto e bom dia, encontrei dois monstros cheios de unhas que não paravam de pular em mim e me arranhar. Briguei com elas e saí de estômago vazio mesmo, afinal o pãozinho de queijo que vende lá perto do consultório é uma delícia. Entrei no meu carro e encarei o trânsito. Apesar de estar adiantada, eu me sentia oprimida por uma pressa absurda que vinha de dentro de mim. Segui pelo mesmo caminho, e tudo poderia ter sido como sempre, se aquele não fosse 'O DIA'.

Olhei para o carro ao lado, e quase desmaiei de susto… o motorista era um bicho estranho, tinha um corpo gordo, meio gosmento… aquela gosma se espalhava pelo painel do carro… e ele tinha duas antenas esquisitas… MEU DEUS! O MOTORISTA ERA UMA LESMA!!!! Assombrada, comecei a olhar para os outros carros, e todos os motoristas eram lesmas gosmentas que pareciam não ter nada a fazer a não ser entrar na minha frente com sua lentidão insuportável. Eu queria ter um pote de sal para jogar neles !!!!. Bem, quando eu era criança, me disseram que as lesmas morreriam se jogássemos sal nelas.

Fui atravessando aquele mar de carros até chegar ao meu local de trabalho. Estacionei e, tentando esquecer o nojo de ver todas aquelas lesmas, fui em busca do meu pão de queijo. Quando cheguei à lanchonete, descobri que as lesmas tinham conseguido me atrasar a ponto de perder a primeira leva de pães de queijo. Por mais que o rapaz alegrinho me dissesse que logo sairiam novos pães fresquinhos, preferi fazer a minha melhor imitação de dragão e saí bufando, sentindo um certo prazer em me sentir injustiçada, e ainda com mais raiva do ataque das lemas gosmentas.

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Enquanto subia para a minha sala, recebi uma ligação de uma pessoa dizendo que eu precisava assinar um contrato, e que tinha que ser exatamente às 11h00. Concordei e reorganizei a minha agenda para poder cumprir o tal compromisso. A pessoa tinha me pedido para levar uma terceira, que também precisaria assinar o tal contrato. Liguei para ela (vou chamá-la de 'a terceira') e combinei de pegá-la às 10h30.

Novamente enfrentei as lesmas e, pontualmente às 10h30 estava na frente do prédio de apartamentos da 'terceira'. Tic-tac-tic-tac…10h30… 10h40… 10h50… e nada da 'terceira' descer! Eu sentia vapores com cheiro de enxofre saírem de minhas narinas, e quando já estava prestes a ir embora, vejo despontar a 'terceira' pela porta de saída do prédio. Ela parecia Chapeuzinho Vermelho, toda felizinha, saltitando como se o mundo não fosse feito de lesmas, como se eu tivesse conseguido comer meu pão de queijo, como se eu não tivesse mais nada para fazer. Tentei, juro que tentei, esboçar um sorriso.

Durante o caminho para o cartório, chapeuzinho vermelho foi tagarelando, e parecia nem perceber que havia algo de errado com minhas respostas monossilábicas. Ah… COMO EU QUERIA SER O LOBO MAU!!!! Se ela soubesse como eu me sentia, ia se esconder e ficar mais quieta do que uma múmia, mas Chapeuzinho Vermelho, com aquela irritante ingenuidade infantil, continuava falando, e falando, me contando estórias de Ets (quem aguenta ouvir isso àquela hora do dia???), enquanto eu dirigia e enfrentava mais lesmas. Minha irritação já estava absolutamente fora de controle. Uma casquinha fina de sanidade escondia em mim um rio de lava quente prestes a fazer churrasco de Chapeuzinho Vermelho.

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Finalmente chegamos… mas algo estranho acontecia naquele cartório. Todas as pessoas que trabalhavam lá tinham a cabeça meio amassada, pés enormes que se arrastavam com dificuldade e não tinham orelhas. Não adiantava falar com elas, elas não ouviam, continuavam com seus afazeres, como se fosse uma coreografia feita só para me irritar ainda mais. Pareciam não perceber o meu desespero, pareciam não saber que eu já tinha tido que me livrar da invasão de lesmas, pareciam não ter pena de me deixar com Chapeuzinho Vermelho que, de tanto falar, tinha ficado com lábios enormes e borrachudos. Socorro!!! Será que ninguém vai me ajudar?

Espumando de raiva, eu falava com os funcionários, andava de um lado para o outro, fervia por dentro… mas os homenzinhos não tinham orelhas, lembra? Depois de uma longa espera, finalmente me atenderam e acertaram tudo. Trouxeram os documentos para que eu e Chapeuzinho Vermelho de boca borrachuda os assinassem… ESPERE! … cadê ela?… FOI FAZER XIXI!!!! AQUELA ERA HORA DE FAZER XIXI???? E eu nem tinha tomado café ainda!!!! Finalmente, ressurge o vulto vermelhinho, assinamos o contrato, eu enfrento as lesmas de novo e a levo de volta à sua casa, aflita porque preciso estar de volta ao trabalho em 15 minutos, e estou atrasada. Já começo a pensar na pessoa que está à minha espera, e a minha temperatura sobe um pouco mais. Culpo todo mundo… os dragões de unhas afiadas que não me deixaram tomar café em casa, as lesmas, chapeuzinho de boca borrachuda… os homens sem orelhas do cartório… sinto-me uma panela de pressão prestes a explodir…

Bem, leitor, eu poderia continuar por um bom tempo escrevendo sobre esse dia, mas acho que já causei impacto suficiente!

Perceba, você que me lê aí do outro lado do monitor… quando estamos em um estado assim, quando estamos irritados, quando perdemos o controle, nós DISTORCEMOS A REALIDADE. Enxergamos coisas que não existem.

OUÇA! NÓS ENXERGAMOS COISAS QUE NÃO EXISTEM!!!

Ao fazer isso, acabamos criando para nós mesmos uma série de situações ruins. Se as coisas não estavam bem, nós as tornaremos ainda piores. E podemos torná-las de verdade muito ruins. O mundo é um espelho que reflete de volta exatamente o que estamos projetando nele!

Logo, se você acordar irritado, procure ficar um pouco com você mesmo, procure evitar entrar em confronto com o mundo, dê a si mesmo o direito de estar se sentindo assim, e o tempo para entender o que acontece e se equilibrar novamente. NÃO EXIJA DEMAIS DE VOCÊ NESSE MOMENTO. Saiba se poupar.

A irritação indica que existe algum sentimento negativo EM VOCÊ que precisa ser percebido e transformado. Outra palavra para irritado é 'enfezado'. Pense nessa palavra… 'enfezado', cheio de 'fezes'. Assim estamos nós, mas se não percebermos isso acabaremos achando que aquele cheiro ruim vem de alguém lá fora. E culparemos o outro, e perseguiremos o outro, e brigaremos com o outro… quando na verdade precisaríamos parar e fazer uma limpeza em nosso próprio EU.

Na próxima vez em que você se sentir irritado, muito irritado, tente olhar através dos véus da irritação. Tente enxergar as cachorras amorosas, os motoristas a caminho de seu trabalho, o pão de queijo quentinho prestes a sair na próxima fornada. Tente sentir compaixão pela ingenuidade da Chapeuzinho Vermelho, mesmo que ela seja mesmo um pouco irritante…

E tente enxergar a si mesmo como eu me enxergo agora.. Ih!!! Vou ter que te contar como me enxergo agora né?

Aí vai: juro que quando me lembro 'DO DIA' e olho para meu próprio eu tão irritado, me acho absolutamente ridícula… e achar isso, me faz ter vontade de rir.

Quem sabe um dia eu consigo antecipar esse processo e ter um deliciosos ataques de riso bem no meio da irritação?

Quem sabe você possa se lembrar deste artigo e dar uma boa risada comigo quando o seu DIA chegar?