Desde março, nessa coluna, vem-se comentado a mudança radical nos modos de convivência das famílias, determinado pela quarentena e pela extensão da quarentena imposta, nesses tempos de Covid-19. Desde o início, pais e mães passaram a trabalhar em casa, filhos saíram das escolas, as atividades extraescolares foram suspensas, os funcionários domésticos tiveram que se manter nas próprias casas e, com isso, o convívio familiar alterou-se de modo total. O convívio da família passou a ser obrigatório e constante, de 24 horas, todos os dias, em um único espaço, o lar.
A adaptação a essa situação não foi fácil e cada família buscou ajustar-se à sua maneira. Mas, à medida que os meses passaram, somados à falta de perspectiva de término do confinamento, distúrbios no ambiente familiar foram observados. Existe um aumento considerável do nível de estresse nos membros da família. Exaustão, irritabilidade e desânimo são vividos tanto pelos adultos, como pelos adolescentes e pelas crianças.
Ainda que morando sob o mesmo teto, a vida era vivida em espaços separados e os diversos papéis sociais das pessoas eram exercidos em contextos diferentes. Agora, ainda que comece a existir uma flexibilidade no confinamento social, ressalta-se a falta do espaço da falta, tão importante para as relações de apego e de amor. Tornou-se raro também o espaço da privacidade.
O espaço da falta é uma necessidade
A vivência do espaço da falta é uma das necessidades básicas do ser humano. Ao nascer, o bebê precisa do contato de um outro ser da mesma espécie, em geral de sua mãe, que lhe garanta suporte, amor e proteção para que ele sobreviva. Sendo um caso de prematuridade entre as espécies, o filho do homem não tem condições de sobreviver se não for cuidado.
Porém, já no primeiro ano de vida, o bebê irá aprender a tolerar o espaço da falta de sua mãe, tendo a vivência de que sua mãe se afasta dele e depois volta para atendê-lo. Esses espaços de falta vão sendo progressivamente aumentados e tolerados. A experiência pessoal desses espaços de falta é importante, pois é justamente em função deles que nasce a saudade da mãe e, consequentemente, o amor pela mãe. Essa experiência, depois, é generalizada para todas as relações interpessoais próximas. Torna-se uma característica humana sentir falta e saudade das pessoas queridas quando elas se afastam.
Assim é que, em função dos momentos ou tempos de separação do outro de quem gostamos, sentimos a falta dele e o desejo do reencontro. Hoje, na maioria das famílias, em função do confinamento social, isso não está sendo vivido. A falta do espaço da falta pode desgastar as relações, criando aumento de tensão nas relações, surgimento de conflitos entre os membros da família e sintomas de ansiedade e depressão.
O espaço para privacidade tornou-se raro, primeiro em função do confinamento a um só espaço e segundo em função do controle e mesmo da vigilância constante de um sobre o outro.
Acredito que é por isso que as crianças estão querendo tanto voltar para a escola, que os adolescentes estão buscando o convívio com seus pares, longe dos pais e que os adultos estão ansiando uma forma de viver a vida, mais autônoma. E, isso, apesar do medo da Covid-19.