por Paulo A. Lopes – psicólogo do NPPI
Quake – Estremecer, fazer chacoalhar ou tremer, especialmente com medo; Jogo de ação em primeira pessoa (i. é., a visão que se tem do ambiente onde o jogo acontece é a mesma da personagem que controlamos: vemos através dos seus olhos). Pode ser jogado contra uma ou mais pessoas conectadas simultaneamente, ou contra o computador. É necessário ter o jogo instalado na máquina para que se possa jogar online.
"As paredes escuras e úmidas tornam o ambiente mais frio. Ouço passos. Ainda em busca de um kit médico, me escondo. Alguém passa apressadamente. Ouço a explosão na sala ao lado. Ele foi atingido por granadas, talvez morto. Fico apreensivo em sair de meu esconderijo – há muitos outros como eu aqui, todos querendo manter-se vivos e ganhar. Mas não tenho chance, fraco e machucado como estou, mesmo que permaneça escondido.
Saio correndo, desesperadamente. Posso ouvir nitidamente minha respiração ofegante. Entro por um corredor repleto de vitrais. As imagens não podem me chamar a atenção, pois a adrenalina e o medo impedem qualquer tipo de contemplação. Eis que ali, abaixo da abóbada, surge o kit que procurava. Recupero-me rapidamente e lembro que preciso achar uma arma mais eficiente. Neste lugar, pouco se consegue com uma espingarda de cano duplo. Corro, corro pela minha vida. Subo as escadas espirais da torre e posso ver os relâmpagos atravessando os vitrais. No topo, um corredor largo e escuro e… ouço passos novamente. Coloco-me atrás dos barris metálicos para não ser visto. O som cessa. Respiro fundo e alguém diz: "Sei que você está aí." Meu coração pula, o cheiro da morte paira no ar. 'Pode ser um blefe.' – penso eu. A edificação é muito grande e é possível a todos aqui se comunicarem de qualquer distância. Respiro fundo novamente. O som do vento misturado ao eco dos dutos de ventilação é atemorizante.
Mas ficar parado onde estou é impossível. Mais alguém pode subir aqui a qualquer momento. Como um louco, saio rapidamente detrás dos barris e viro à esquerda, já correndo. Ao fundo, já fora do corredor, lá está uma metralhadora reluzindo sob um foco de luz que invade o salão pela janela acima. Aproximo-me rapidamente para pegá-la e ouço um barulho grave, seguido de uma explosão. Sou lançado ao chão e a última coisa que posso ver é outro guerreiro triunfante situado no terraço do andar de cima. Fim da linha?
Não exatamente. Como mágica, apareço em outra parte do labirinto, praticamente desarmado. Nova tentativa, quantas eu quiser. Exploro o salão em que estou e sigo à direita. Encontro um lançador de granadas. Sigo e vejo, ao fundo, alguém se aproximando. Posiciono-me atrás do pilar, supondo que ele passará ao meu lado, condenado. Miro em direção à porta e aguardo, sabendo que o tiro de granada tem de ser certeiro, mortal – posso ficar em desvantagem frente a alguém com uma arma mais rápida e ágil. Mais passos. Atiro e vejo, a poucos metros, um corpo se despedaçando. A cena é silenciosa, e quebro-a com o som de meus passos afastando-me para continuar a batalha."
Psicólogo analisa sua experiência com jogos online
Este relato foi inspirado em minhas sensações jogando Quake em rede. Esta forma de jogo permite a interação real entre internautas simultaneamente conectados. É como se todos se dirigissem a um mesmo edifício e ao entrar, iniciam um jogo com regras definidas. Desta forma, é possível jogar com qualquer pessoa que também esteja conectada ao jogo, esteja ela onde estiver, no mundo.
O relato feito foi uma tentativa de colocar em palavras o suspense e a adrenalina que podem ser mobilizadas nestes ambientes virtuais. As sensações que o jogo oferece são certamente amplificadas se o jogador isola o ambiente onde está, por exemplo, aumentando o volume do computador, apagando as luzes, etc.
Mesmo sendo este um jogo violento, cabe lembrar que outros tipos de jogos podem ser usados em rede, como ambientes de interação em tempo real. Terror, aventura, estratégia – às vezes é como assistir um filme no cinema, onde nos envolvemos emocionalmente com o que está na tela.
Existem hoje ainda casas de jogos, frequentadas por grupos de amigos ou mesmo pessoas sozinhas, que podem divertir-se com diversos softwares conectados em rede. Fileiras de computadores lado a lado ficam repletas de pessoas que interagem entre si, via máquina, e também conversam durante o jogo, já que estão fisicamente próximos, em uma mesma sala. Neste caso mesclam-se a interação 'virtualizada' com a interação presencial.
A vivacidade da experiência é fascinante. Tão fascinante que há quem se vicie neste tipo de jogo. Ficar muitas horas seguidas frente ao computador, abdicar do sono e desinvestir das relações sociais são alguns dos sintomas deste novo tipo de compulsão que tende a criar um novo estereótipo: os viciados em jogos eletrônicos. Sem dúvida esta pode ser uma nova forma de compulsão. Contudo, este comportamento parece atingir apenas uma minoria de usuários – o que pede mais reflexão antes de julgarmos a tecnologia dos jogos em rede como mais uma das ameaças dos novos tempos.