por Aurea Afonso Caetano
Vários pesquisadores atuais têm estudado o que podemos chamar de "processamento inconsciente".
Sabemos já que parte das decisões que julgamos racionais são "previsivelmente irracionais"(Dan Ariely), isto é, surgem a partir de um funcionamento que está longe de ser ditado pela consciência.
Outro pensador, Daniel Kaleman em seu livro "Thinking fast and slow" fala dessa mesma questão. Em nosso funcionamento cotidiano o funcionamento rápido é orquestrado por camadas não tão racionais ou mentais como costumamos pensar, mas estão fundamentados em camadas mais "antigas" por assim dizer, ligadas aos sistemas mais básicos de sobrevivência da espécie.
Mas, para continuar discutindo aqui a questão dos sonhos, que tanto nos encanta, podemos fazer uma aproximação entre a camada mais inconsciente de onde eles surgiriam e o que conhecemos ou pensamos conhecer de nosso funcionamento racional. Ou seja, os sonhos podem nos dar dicas sobre esse funcionamento ajudando a mostrar parte desse processamento inconsciente ou irracional.
No texto anterior (veja aqui), trouxe o sonho da noiva e seu temor com as questões do casamento.
Que tal pensar em outros exemplos para mostrar um pouco mais desse processamento inconsciente?
Jung conta sobre um sonho que teve com uma cliente. Era uma mulher muito bonita e exuberante, talvez um pouco demais para os padrões burgueses da sociedade suíça da época. Ele não a levava em alta conta, pensava que não era tão inteligente, talvez, e que seus modos não eram nada apropriados para uma jovem da época. Então, ele teve o seguinte sonho: estava em um lugar onde havia uma espécie de torre e tinha de levantar muito o olhar para ver o que havia lá em cima. Percebia, com grande espanto, que lá em cima em posição de destaque, estava sua paciente e que para olhá-la, ele tinha de levantar muito a cabeça.
Ele acorda pensando no sonho e chega à conclusão de que andara diminuindo muito essa sua paciente, que não lhe dera o devido valor, e que ela estava, de alguma forma em uma posição muito superior à sua. Jung. volta à sessão seguinte com ela, conta-lhe o sonho e retoma o trabalho com ela a partir de outro ponto de vista, dando-lhe agora o tamanho, que desde o início ela deveria ter, mas que por conta de seu preconceito não tinha podido perceber.
Podemos pensar que Jung estava lidando com essa paciente de forma previsivelmente irracional ou, a partir de pressupostos quase inconscientes, sem se dar conta disso. Foi essa atitude que o sonho de alguma forma denunciou. Claro que para que essa atitude "corretiva" possa se dar, é importante que a pessoa seja capaz de pensar em seu sonho e fazer o trabalho de aproximação, abrindo espaço para aspectos ou atitudes suas não compreendidas que estejam sendo denunciadas pelo material onírico.
Esse é um trabalho mental, por assim dizer, de elaboração simbólica no qual se trabalha para que a consciência possa ser ampliada sem perder sua ligação com o substrato inconsciente do qual se alimenta. Ou… como ser mais consciente de nossos verdadeiros motes e desejos e com eles nos comprometer verdadeiramente.