por Danilo Baltieri
A discussão sobre a legalização das drogas tem vicejado nas sociedades ocidentais nos últimos anos.
Após décadas da “guerra contra as drogas” e intenso otimismo relacionado à política de repressão ao consumo, atitudes “liberalistas” têm aparecido mais recentemente e estão ganhando grande popularidade na Europa e Estados Unidos da América. No Canadá, por exemplo, em 2003, foi aprovada provisoriamente uma lei permitindo o uso de cannábis para propostas médicas.
Uma pesquisa neste país publicada em 2001 revelou que 47% dos canadenses são a favor da legalização da maconha. Desde 2003, na Bélgica, não é mais ilegal ter a posse de até 5 gramas de maconha, embora a venda e consumo em locais públicos seja ainda proibida.
O que é na prática legalizar e descriminar?
O termo “legalização” é, muitas vezes, utilizado com abrangências diferentes. Para alguns, significa a descriminalização da posse e do consumo de substâncias como a maconha, enquanto a comercialização e a distribuição continuam sendo consideradas ilegais. Para outros, significa uma ampla descriminalização das drogas, imaginando-se a posse, a venda e a distribuição legais, mas sob leis reguladoras e fiscalizadoras sobre o comércio e a distribuição. Para outros ainda, poderia significar uma mais ampla descriminalização, sem qualquer lei reguladora sobre a posse e comércio das drogas.
Segundo alguns estudos, a modificação das leis, no sentido da descriminalização da posse e do comércio das substâncias psicoativas consideradas hoje ilícitas (como a maconha, cocaína/crack, heroína, ecstasy), possivelmente conduziria a uma queda nos preços, a um aumento da oferta de várias dessas substâncias e a um crescente consumo das mesmas. Um exemplo disso é um estudo realizado na Noruega, onde se verifica o aumento do consumo de heroína injetável à medida que o preço desta substância caiu, entre os anos de 1993 e 2002.
Escalonamento das drogas
Além disso, existe apoio empírico à chamada teoria do “escalonamento das drogas”, ou seja, o risco relativo de um indivíduo que experimenta maconha em fazer uso de outras drogas como a cocaína, é maior do que entre indivíduos que nunca usaram a maconha. Logo, considerando essa teoria correta, a maconha “abriria” portas para outras substâncias, poderia gerar um padrão de uso recorrente da mesma ou de diferentes substâncias e diminuiria o medo da experimentação de outras drogas. Na verdade, embora essa teoria seja empiricamente verdadeira para uma ampla gama de usuários, devemos reconhecer que os indivíduos que fazem uso de substâncias psicoativas constituem uma população bastante heterogênea, o que dificulta uma generalização.
Por que proibir?
Historicamente, quando o consumo de substâncias surgiu como um problema social em 1960, muitas sociedades ocidentais decidiram pela proibição do consumo, posse e comercialização. Algumas das razões para a proibição foram:
a) Consumidores de substâncias psicoativas podem causar danos e sofrimento a outras pessoas;
b) O uso das drogas provoca aumento nos gastos com a saúde pública;
c) Os usuários de drogas são menos produtivos e têm maior chance de morte prematura;
d) Os usuários de substâncias devem ser protegidos contra eles mesmos, à medida que eles atuam de forma autodestrutiva;
e) O consumo das drogas é “contagioso”, ou seja, indivíduos usuários podem “convencer” outros a experimentá-las.
Possíveis consequências da legalização
Segundo os defensores da legalização, algumas das conseqüências abaixo seriam possíveis:
a) Reduzir a população penitenciária;
b) Prevenir muitos crimes relacionados ao consumo de substâncias, tais como roubos, furtos e tráfico;
c) Desorganizar um dos principais pilares do crime organizado;
d) Re-direcionar os esforços dos policiais no combate ao crime.
Na verdade, alguns dos proponentes da legalização defendem também uma alta taxação para o comércio lícito das substâncias psicoativas consideradas ilícitas na atualidade, revertendo os recursos financeiros obtidos com a comercialização e distribuição para a educação e programas de tratamento e reabilitação dos usuários. Além disso, muitos defensores da legalização aventam a possibilidade de que, com a regularização do comércio das mais variadas drogas, as mesmas seriam vendidas com informações adequadas sobre os riscos e conseqüências, formas para evitar o uso, bem como locais onde buscar ajuda e dados sobre a composição da substância, evitando, assim, a presença de misturas de outras substâncias deletérias.
Seguramente, o consumo inadequado de substâncias psicoativas insufla o sistema de saúde público, o sistema penitenciário e os serviços de promoção social. Entretanto, certamente, legalizar o consumo e a distribuição não soluciona os inúmeros problemas associados. Recursos para prevenção e tratamento dos problemas relacionados ao consumo de maconha, cocaína, heroína, ecstasy, etc. devem ser mais continuamente disponíveis, afim de promover melhores resultados nas medidas terapêuticas e sociais até então adotadas.
A disponibilidade é a mãe do consumo, ou seja, quanto mais facilmente disponíveis, maior a chance da experimentação de drogas. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, cerca de 60 milhões fumam e mais de 20 milhões têm problemas com o consumo de bebidas alcoólicas, mas cerca de 6 milhões têm problemas com o uso de drogas ilícitas.
Parque da agulha
Na Suíça, o chamado “parque da agulha”, criado para restringir usuários de heroína, tornou-se uma grotesca atração turística com cerca de 20.000 dependentes, tendo de ser fechado, antes de avançar para toda a cidade de Zurique.
Na Itália, onde a posse de pequenas quantidades de drogas tem sido geralmente isenta de quaisquer sanções penais, apresenta uma das maiores taxas de dependência de heroína da Europa, com mais de 60% dos casos de AIDS relacionados ao uso de drogas intravenosas.
Segundo Joseph Califano Jr., da Universidade de Colúmbia, as drogas não são perigosas porque são ilegais; são ilegais porque são perigosas. Evidências, por exemplo, de que a maconha induz sérios distúrbios psiquiátricos são claras. Quanto às outras substâncias, como cocaína /crack, heroína e ecstasy, notícias de repercussões danosas aos usuários abundam na imprensa.
Um adequado plano de ação do governo, baseado em financiamentos nas áreas de tratamento e prevenção, está de acordo com as mais recentes evidências de eficácia de propostas de ação para o grave problema de saúde pública do consumo de substâncias psicoativas.
O debate sobre a legalização das drogas continuará a aquecer jornais e revistas do mundo inteiro.
Debate: legalização
Na minha opinião, o maior debate deveria ser o que está sendo feito e o que poderá ser realizado no sentido de melhorar as taxas de efetividade dos tratamentos oferecidos atualmente aos dependentes de substâncias psicoativas e quais os melhores métodos de prevenção ao consumo das mesmas. As conseqüências da legalização podem ser devastadoras, segundo demonstram alguns estudos, especialmente em termos de saúde dos usuários.
Portanto, antes mesmo desse debate, sugeriria a discussão dos seguintes tópicos:
a) Quais as melhores formas de tratamento médico e psicológico para os dependentes de substâncias, considerando os diferentes tipos de drogas e a heterogeneidade da população?
b) Há suficiente e qualificado número de profissionais médicos e não médicos habilitados para o tratamento de pessoas que apresentam problemas com o consumo de substâncias psicoativas?
c) Há suficiente número de leitos hospitalares e vagas em ambulatórios e Centros de Atenção Psicossocial para o tratamento da demanda existente neste momento? Quais os recursos disponíveis para aumentar as vagas e aprimorar as formas de abordagem ?
d) Os pesquisadores brasileiros da área têm recebido adequado apoio para a realização de pesquisas nas áreas de prevenção e tratamento das dependências químicas?
e) Estamos dedicando esforços na melhoria da qualidade de vida (incluindo qualidade de vida profissional) para a população geral?
f) Qual o verdadeiro relacionamento entre o consumo de substâncias psicoativas e a criminalidade em um universo com graves problemas sociais?
Como se trata de assunto extremamente estimulante, sugiro a leitura de dois artigos como complementação a esse texto:
• Bretteville-Jensen, A. L. (2006). To legalize or not to legalize? Economic approaches to the decriminalization of drugs. Subst Use Misuse, 41(4), 555-565.
• Califano, J. A., Jr. (2007). Should drugs be decriminalised? No. Bmj, 335(7627), 967.