por Roberto Goldkorn
Um dos enganos mais gritantes do meu pensamento juvenil foi acreditar na Justiça Social e que ela só poderia ser feita através da revolução armada, capitaneada pela classe operária destinada pela História a exercer o Poder redentor.
Mais tarde, não acreditando mais naquela fábula, me voltei para a crença na Justiça Divina, aquela coisa de que "a justiça tarda mas não falha", os pecadores pagarão caro por seus pecados, e que Deus é um juiz implacável, infalível.
O tempo e a observação atenta da realidade, me mostrou que isso também não tem sustentação, até porque as maiores injustiças em nível planetário, não só contra a humanidade, mas contra o próprio planeta, foram perpetradas justamente em nome dessas justiças divinas.
A justiça divina é apenas uma projeção de um desejo ancestral do ser humano, diante de uma realidade injusta e perversa, onde ele e ela se veem impotente e projetam algo maior que si mesmos, que possa vir corrigir a injustiça e colocar cada macaco no seu galho.
Não, o universo não é MORAL. O que chamamos de justiça, é apenas a nossa visão, limitada, míope e cultural de Justiça.
Mesmo a maior parte das interpretações espiritualistas, sistema que vim a adotar, está caminhando nessa direção equivocada, quando vê a Lei do Carma como um sistema de execução de algum tipo de justiça cósmica, carregado até o talo de conteúdos moralizantes.
Algumas pessoas mais abertas às novas ideias, quando ouvem isso e aceitam pelo menos a possibilidade dessa "verdade", costumam se sentir um pouco (ou muito desamparadas) de início. Eu também me senti assim: minúsculo, perdido, órfão de um Sistema que me acolhesse e me tranquilizasse dizendo: Deus está vendo, isso será punido, ou corrigido, fique sossegado.
Comecei a me tranquilizar, se é que posso dizer isso, quando ouvi uma grande estudiosa de esoterismo (Madame Blavatsky) dizer: "Nem um mosquito escapa da Lei do Carma".
Pensei: "Ôba, se nem o mosquito escapa, e o mosquito não pensa, não tem valores morais, nem mesmo uma cultura mosquital, então essa tal Lei do Carma da Madame Blavatsky é como um Lei da Física, uma Lei da natureza, regulada pelas relações de causa e efeito, um grande relógio capaz de manter o equilíbrio homeostático do Cosmos aos seres humanos."
Vim caminhando na direção desse conceito até então. Observando-o ser aplicado, vendo onde ele não cabia, e me sentindo menos desprotegido. Caminhar sozinho pode assustar no início, mas aos poucos vai lhe colocando num prumo, lhe dá mais leveza e mais confiança para seguir com a vida.
Mas confesso que ainda sinto falta do velho deus que estava ao meu lado quando eu entregava alguém nas suas mãos justiceiras. Vira e mexe sinto a tentação de pegar o sujeito pelo cangote e levar até deus dizendo: "Meu senhor deus misericordioso e justo, juiz da humanidade, coloque esse filho de uma égua em vossa balança e jogue esse jegue na mais sinistra masmorra do quinto dos infernos".
Mas sei que não haverá lá ninguém para me atender e, portanto, contento-me em sentar na primeira fila e pacientemente esperar que o resultado das ações "pecaminosas" do sujeito o levem invariavelmente ao seu encontro com o carrasco – sem julgamentos morais, sem direito a compra de indulgências, sem o perdão de sacerdotes cooptados.
Sou muito ansioso, confesso, por isso viajo em meus delírios de um Carma Instantâneo, do tipo "bateu/levou", que não prolongasse o sofrimento das vítimas e também, por que não do agressor/infrator.
Mas isso não existe. Cada um constrói o seu próprio processo judicial, cada ação, cada escolha, o nível de consciência com que fazemos as escolhas e tomamos as ações, o nosso grau de evolução, tudo isso forma o grosso do processo, cada palavra, cada ato, cada omissão, constitui os agravantes, os atenuantes, as coações irresistíveis, criam os argumentos de defesa, as réplicas, as tréplicas. O acusador está dentro de nós, os defensores idem, e o juiz? Dentrinho. Ninguém lá fora, apenas nós e a nossa circunstância.
Isso não impede que cada um de nós brinque de julgar, de ser juiz, promotor, advogados de defesa, carcereiro e carrasco.
Esperavam o quê? Que fôssemos todos Dalai Lamas?
Alguém próximo um dia disse que tudo o que eu falava ou dizia era fraudulento, era fake. A sustentação da acusação era bem fundamentada: Se eu fosse genuíno, estaria na galeria dos bem-sucedidos, teria um carrão, uma bela casa num condomínio fechado e viajaria de classe executiva, no mínimo.
Essa é uma visão primitiva, quase simiesca, mas travestida com a nossa modernidade, dos valores da nossa sociedade de consumo, ou sociedade afluente, como se costumava chamar ofensivamente na década de 70.
Vejo um paralelismo impressionante entre os antigos cânones da justiça divina ou da justiça social, nessas visões "pós-modernas" que usam o padrão ouro para medir e pesar as pessoas.
Quem faz isso, não vai para o inferno, não será assediado pelos demônios que estão a serviço de um deus justiceiro, mas de alguma forma estão numa espécie de lodaçal evolutivo.
Quem se aliena dessa forma dos valores essencialmente humanos, está na contramão da Vida, é capaz de se aliar ao que de mais retrógrado e ameaçador à vida existe.
Observado a vida das pessoas que vivem apoiadas nos valores de fumaça, vamos ver a qualquer momento sua queda, e isso nada tem a ver com a infração das regras religiosas, com os pecados criados pelas religiões para poder melhor exercer seu domínio sobre as massas.
Quem pensa e julga e age de forma "moral" vai acabar batendo com a cara num muro criado por si mesmo, o muro das leviandades e vilanias. Isso é matemática, não é castigo divino.
A vantagem de se desvencilhar dos velhos modelos de crenças sejam elas sociais ou religiosas, é que somos a nossa própria voz da consciência, não temos a quem enganar ou subornar, não temos nem o consolo de nos agarrarmos a velhos naufrágios ideológicos, estamos por nossa conta.
Assim, julgamentos e comportamentos levianos e embrutecidos não nos atingem, ou pelo menos não deveriam nos atingir, porque não compartilhamos dos mesmos valores que os "julgadores" levianos, e nem temos o consolo de entregá-los raivosamente nas mãos de algum super, hiper capo.
A solução de salvação é caminhar nu sem a ilusão da roupa dos perfeitos, mas vestido com a luz da minha própria consciência. Abandonar a tribo, renegar a bandeira ou o símbolo da tribo, não cantar mais o hino de guerra, jogar fora o Livro, e abraçar a Vida.