por Tatiana Ades
Cinquenta tons de cinza – "O livro mostra a questão da submissão e poder como algo extremamente contagiante, extasiante, glamouroso até… é como se esse contrato de poder desse à personagem uma identidade de mulher resolvida" Ao ler o livro Carrasco do Amor do renomado psiquiatra americano Irvim D. Yalom, deparei-me com uma afirmação muito interessante: ele refere-se ao psicoterapeuta como sendo uma espécie de carrasco do amor.
Isso porque precisamos ser racionais ao percebermos quando um amor obsessivo e prejudicial deve ser “quebrado”; deve-se revelar ao paciente o lado obscuro das paixões avassaladoras e mostrar a ele o conflito existente; tirando a falsa magia e crença que o mesmo depositava nesse amor idealizado.
Sinto-me um pouco carrasca do amor, mas sei que esse processo é necessário para que o paciente consiga se liberar de amarras obscuras e entregar-se de corpo e alma em um amor saudável e digno.
Mais uma vez toco no assunto do amor patológico, pois a cada dia percebo mais amores destrutivos, platônicos, obsessivos, relações sadomasoquistas emocionais, jogos de poder, brigas e discrepâncias.
Me questiono, cada vez mais, o quanto a sociedade atual não interfere nesse amor ilusório e rápido e o quanto somos todos carentes por um par que nos complete.
É como se as pessoas buscassem no outro uma idealização e não uma completude saudável. Numa via oposta, o fio condutor desses relacionamentos se traduz em brigas constantes, em tratar mal o outro e a imensa falta de amor próprio.
Afirmo sempre que amar-se em segundo lugar é esquecer-se de si mesmo, de suas metas de vida, de suas vontades, ambições, méritos e conquistas.
Amar o outro em primeiro lugar é deixar espaço para esquecer-se de que somos uma unidade (inteiros, pessoas que se bastam sem precisar do outro) e acabamos por doar nossos sonhos ao outro ao “ser amado” e essa falta de amor próprio só poderá nos fazer sofrer cada vez mais.
Gostaria de citar o tão famoso livro erótico “Cinquenta tons de cinza”, de Erika Leonard James, uma ficção, mas há de se pensar no comportamento humano sempre e questionar por que a histeria coletiva se formou em torno desse assunto.
Li o livro para tentar entender a euforia de mulheres se esbarrando em livrarias na ânsia de comprá-lo.
Não irei me concentrar em palavras sobre a sua escrita, ou julgamentos pessoais, apenas darei a minha visão sobre essa histeria em massa.
No livro, uma moça de 24 anos, atrapalhada e virgem, apaixona-se por um homem jovem, milionário e lindo, e acaba se envolvendo num jogo de poder onde ela assina um contrato de submissão: aceita ser escrava do príncipe encantado e iniciar uma trajetória em busca do prazer e do amor que nunca teve.
O livro mostra a questão da submissão e poder como algo extremamente contagiante, extasiante, glamouroso até… é como se esse contrato de poder desse à personagem uma identidade de mulher resolvida. A mulher que se ata ao homem dominador, o homem que a maltrata, porém a ama e cuida dela.
Desculpem-me os 50 tons de cinza, mas esse vínculo amoroso descrito no livro me soa muito mais como 50 tons de desamor, desamparo e falta de amor próprio.
Mulheres solteiras, casadas, comprometidas, suspiram enquanto leem uma história com vínculos perversos e a ficção começa a se transformar numa necessidade de realidade, a realidade que elas queriam para si mesmas, o desejo pela submissão, pelo homem poderoso e dominador, pelo jogo e pela redenção.
Por que levar Cinquenta Tons de Cinza para a vida real pode ser perigoso:
1º) Independente do fetiche sexual, os personagens ganham força como dois super-heróis frágeis e doentes sendo mostrados como heróis excitantes e perfeitos na forma de saber dar e receber prazer e afeto.
2º) Pode ser perigoso para quem não leia como uma simples ficção, mas para quem realmente acredite em super-heróis que precisem de amarras e controle; para quem enxergue na sedução de amar uma arte perigosa e essencial.
3º) Num mundo onde dezenas de pessoas passam pelo vicio do amor patológico no qual ocorre dor interna, sensação de desamparo, atos suicidas, baixa autoestima… só posso concluir que o tipo de amor citado no livro é o verdadeiro amor carrasco.
Voltando a Yalom, ressalto que ainda bem que existimos nós “carrascos do amor” para mostrarmos a essas pessoas que o amor saudável é a única forma de termos paz, liberdade, amor próprio e certamente 50 tons de alegria.